Andar pela polis grega, pelos seus templos e espaços de enterramento certamente era obter informações ao se passar por monumentos, lápides funerárias, estátuas e objetos votivos e, muitas vezes, ter um duplo estímulo visual: o objeto em si e a sua inscrição, seu epigramma. O espaço público, portanto, desde a antiguidade, se equipa com esses objetos que estão em constante interação com o público, mesmo que esse, hoje em dia, muitas vezes nem note o que está em seu caminho frenético nas grandes cidades como São Paulo.
O objeto público – que vou entender aqui como uma construção, uma estátua ou qualquer outro objeto que se pretender ser contemplado e preservar a memória de um tempo e de um povo – é o limiar entre um tempo passado e presente em um espaço que também muda ao seu redor e um instrumento de diálogo entre indivíduos contemporâneos ou não. Nesse sentido, o objeto público e a sua inscrição perpassam o tempo e levam a sua mensagem para gerações futuras. Esse objeto é uma memória material viva no espaço com uma voz para ser ouvida.
Ao se passar por um monumento, então, se ele fosse dotado de uma inscrição, certamente esse objeto traria informação sobre quem o ergueu, de quem essa pessoa era filho e por qual motivo. No caso de um objetivo votivo, a inscrição certamente traria quem ofertou o objeto ao deus daquele templo, contendo um pedido que foi realizado ou ainda para se realizar. Se o espaço é funerário, as lápides trariam o nome do morto, sua linhagem e outras informações pessoais. O interessante de resgatarmos do epigrama quanto inscrição e depois a sua variante literária a partir do final do século IV a.C., então, é que o monumento ou objeto passaram a se valer a primeira pessoa do singular, ou seja, as inscrições deram voz ao objeto. Dessa maneira, o passante cede a sua voz ao ler a inscrição em primeira pessoa presentificando o objeto e o seu dono e se conectando com uma história.
Essa é justamente a ideia do projeto Cidade que fala da prefeitura de São Paulo: dar voz a alguns monumentos e estátuas marcantes da cidade e conectar tudo isso aos seus milhões de habitantes.
Entretanto, o projeto dá um passo além do epigrama grego, pois a interação do passante com o monumento se dá por meio da tecnologia. Foram escolhidos 21 monumentos espalhados pela cidade que ganharam uma pequena placa contendo um QR-Code. O passante, ao escanear esse código com qualquer aplicativo leitor dessa imagem em seu celular, é levado a uma das páginas do projeto que contém uma imagem, uma breve descrição e um áudio de mais ou menos 3 minutos em primeira pessoa. Nele é possível se descobrir histórias e informações como se aquele objeto fosse animado.
A experiência multissensorial faz com que as pessoas possam recuperar a memória da cidade conhecendo histórias que recriam os momentos históricos com vozes em um apelo tecnológico contemporâneo e que dialoga com as novas gerações. O bom e velho epigrama em forma de inscrição, mais uma vez, se transforma em algo novo que liga o texto, o objeto e o passante em um espaço que conflui os três, transmitindo histórias e provocando reflexões sobre quem somos onde somos.