“Ah! Se os jovens soubessem, se os velhos pudessem....”
- Adágio francês -
Estamos aqui para falar da finitude da existência, aquele amanhã em que “não mais estaremos aqui,” cuja antevisão se enche de sombras, terror e uma profunda inquietação e para acrescentar algo mais. O foco deste artigo não é deter-se no além-túmulo, mas nas inquietações que acompanham o declinar da existência humana e ao mesmo tempo trazer algum alento que nos possibilite tingir de cores mais vivas e brilhantes a linha do horizonte que se finda.
JUNG (1991) pontua que a vida é um processo energético como qualquer outro, e como tal é irreversível e, por isto, orientado univocamente para um objetivo: o estado de repouso. O desejo do jovem de consumar altas esperanças e objetivos distantes constitui o impulso teleológico manifesto da vida - a persecução de um determinado fim - o qual não cessa quando se atinge o amadurecimento e o zênite da vida biológica. A vida desce agora montanha abaixo, com a mesma intensidade e a mesma irresistibilidade com que a subia antes da meia idade, porque a meta não está no cume, mas no vale onde a subida começou. A curva da vida é como a parábola de um projétil que retorna ao estado de repouso inicial, após ter sido perturbado. Assim, a natureza prepara o homem para a morte. O homem que envelhece, quer queira quer não, prepara-se para a morte. A curva psicológica da vida, todavia, recusa-se a se conformar com estas leis da natureza. Biologicamente, o projétil sobe, mas psicologicamente, retarda. Nas palavras do autor:
"Ficamos parados, por trás de nossos anos, agarrados à nossa infância, como se não pudéssemos arrancar-nos do chão. Paramos os ponteiros do relógio, e imaginamos que o tempo se deteve. Se alcançamos finalmente o cume, mesmo com algum atraso, psicologicamente sentamo-nos aí para descansar, e embora nos sintamos deslizar montanha abaixo, agarramo-nos, ainda que somente com olhares nostálgicos, ao pico que outrora alcançamos; o medo que antigamente nos paralisava diante da vida, agora nos paralisa diante da morte. E embora admitamos que foi o medo da vida que retardou nossa subida, contudo, exigimos maior direito ainda de nos determos no cume que acabamos de galgar, justamente por causa desse atraso. Embora se torne evidente que a vida se afirmou, apesar de todas as nossas resistências, não levamos este fato em conta e tentamos deter o curso da vida. Com isto, nossa psicologia perde a sua base natural. Nossa consciência paira suspensa no ar, enquanto, embaixo, a parábola da vida desce cada vez mais rapidamente." (JUNG, 1991, p. 359)
JUNG (1991) observa que a vida natural é o solo em que se nutre a alma. Quem não consegue acompanhá-la permanece enrijecido e parado em pleno ar. É por isto que muitas pessoas se petrificam na idade madura, olham para trás e se agarram ao passado, com um secreto medo da morte. Do meio da vida em diante, “só aquele que se dispõe a morrer conserva a vitalidade,” afirma o autor, porque na hora secreta do meio-dia da vida inverte-se a parábola e nasce a morte. A segunda metade da vida não significa subida, expansão, crescimento, exuberância, mas morte, porque o seu alvo é o seu término. A recusa em aceitar a plenitude da vida equivale a não aceitar o seu fim. Tanto uma coisa como a outra significam não querer viver. E não querer viver é sinônimo de não querer morrer. A ascensão e o declínio formam uma só curva.
Continuando, o autor acrescenta que sempre que possível a consciência recusa-se a aceitar esta verdade inegável. A velhice é sumamente impopular. Todavia, a incapacidade de envelhecer é tão absurda quanto a incapacidade de abandonar os sapatos de criança. Da mesma forma que a trajetória de um projétil termina quando ele atinge o alvo, assim também a vida termina na morte, que é, portanto, o alvo para o qual tende a vida inteira. Mesmo sua ascensão e seu zênite são apenas etapas e meios através dos quais se alcança o alvo que é a morte. Esta fórmula paradoxal nada mais é do que a conclusão lógica do fato de que a vida é teleológica e determinada por um objetivo. “Se se atribui uma finalidade e um sentido à ascensão da vida, por que não se atribui também ao seu declínio? Se o nascimento do homem é prenhe de significação, por que a sua morte também não o é?” Pergunta-se o autor, postulando que assim como o jovem é preparado durante vinte anos ou mais para a plena expansão de sua existência individual, o homem adulto deve ser preparado também, durante vinte anos ou mais, para o seu fim.
Assim, para estarmos adaptados à existência é preciso estar fazendo constantes adequações e alinhamentos à etapa do ciclo vital na qual estamos. Adequar expectativas, realinhar a autoimagem, se atualizar no mundo e no território do próprio corpo, que dia após dia segue ganhando novos contornos - são algumas medidas que se fazem necessárias ser aplicadas na segunda metade de nossas vidas.
É sábio viver de acordo com as leis da natureza.
É preciso aceitar a ordem natural das coisas.
Mais do que isto, devemos deixar a nossa marca nesta curta passagem pelo planeta. A vida é um dom por demais grandioso para que possamos simplesmente “viver em brancas nuvens.” Não está se falando de nenhum grande feito ou de que cada pessoa deva se tornar um herói. Apenas e tão somente a centelha que dorme nas profundezas do ser de cada um deve ser despertada para que seu potencial criativo possa florescer e sejamos capazes de oferecer a nossa contribuição para o mundo em um ato espontâneo de oferenda e franca generosidade. Esta contribuição singular e única é valiosa, pois é “o que temos de melhor” e nos torna melhores frente ao Criador. Ela faz a diferença na ordem das coisas e concorre de maneira eficaz para diminuir o sofrimento e a melhoria das condições de vida da humanidade.
Precisamos estar conscientes de que não estamos no planeta por acaso. Nossa estadia está prenhe de significados ocultos que nem sequer de longe resvalamos. Na segunda metade de nossas vidas cada um precisa urgentemente se perguntar: “O que ainda preciso fazer para que minha vida tenha valido a pena? Que legado me cabe deixar para o planeta?”. Como todos sabemos, não se trata mais de estar às voltas com o tema de referência da juventude: “O que eu quero da vida?” mas: “O que a vida quer de mim?”
A expressão “estar com a consciência tranquila” parece ter uma conotação de estar quites com nossas culpas, mas na verdade reflete a serenidade de quem ao final de seus dias possa lançar um último olhar para trás e dizer simplesmente: “Eu fiz a minha parte”.
Referências bibliográficas
JUNG, C.G. - A natureza da psique. In: Obras completas de Carl Gustav Jung. 3.ed. Petrópolis, Editora Vozes, 1991, vol. VIII, t. II. 402 p.