No momento em que se discute no Brasil a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, o artista argentino radicado no México, Enrique Ježik, articula sua primeira exposição individual na Vermelho em torno do crescimento de construções feitas para o encarceramento de detentos no estado de São Paulo. No país que atualmente tem a 4ª maior população carcerária no mundo, perdendo apenas para EUA, China e Rússia, o estado de São Paulo tem a maior taxa de encarceramento de negros no país; são 595 presos negros para cada grupo de 100.000 habitantes desta etnia. Quando se falam de jovens, os números são mais alarmantes: são 648 jovens presos para cada grupo de 100.000. Os dados de um estudo de 2012 da Secretaria Nacional da Juventude da Presidência da República, realizado pela pesquisadora Jacqueline Sinhoretto, mostram um crescimento de 74% na população carcerária do país em sete anos e evidenciam a seletividade etária e racial que orienta o encarceramento no país, reforçando o que vem sendo chamado de encarceramento em massa ou hiperencarceramento.
Quando teve contato com esses dados em 2014, Enrique Ježik (nascido na Argentina em 1961 e residente da Cidade do México há cerca de 20 anos) decidiu elaborar uma performance para a Mostra de Performance Arte Verbo, da galeria Vermelho, em que a presença massiva de penitenciárias no estado de São Paulo seria evidenciada. No período entre a elaboração do trabalho e a apresentação da ação na edição de 2015 da mostra, o número de presídios saltou de 76 para 81, um crescimento de 6,6% em menos de um ano.
Na sala 1 da galeria , o que vemos é exatamente o resultado desta ação intitulada “81 Prisões”, apresentada no dia 10 de julho, encerrando o ciclo de performances da 11ª edição da VERBO. Em colaboração com 8 egressos do sistema penitenciário do estado de São Paulo, Ježik manipula uma estrutura de madeira instalada na parede posterior da sala de exposição. Após perfurar repetidamente as placas de madeira da estrutura e depois de começar cortar pedaços dessas placas com serras, aos poucos víamos revelar o mapa estilizado do estado paulista. Findo o desenho, cada um dos colaboradores fincava com ajuda de uma marreta um pedaço de ferro de construção em um ponto do mapa, apontando para a localização de cada presídio localizado no estado. O que vemos ao final é um mapeamento do sistema carcerário instalado em São Paulo. A racionalidade da forma retirada do mapa geopolítico brasileiro contrasta com a agressividade dos golpes de vergalhão deferidos contra ele. É esse contraste que pautará os demais trabalhos da exposição.
Na sala 2, entre outras obras, Ježik mostra peças da série “A razão e a força”, em que contrapõe impressões de mapas de penitenciárias com peças de drywall perfuradas com fogo, criando uma paridade entre esses dois gestos – o de construções de penitenciárias absolutamente racionais, com suas formas geometrizadas, e a violência do vestígio do fogo após corroer as placas de drywall. Também chama a atenção a escolha de Ježik por plantas de penitenciárias baseadas no modelo do Panóptico, como descrito por Bentham no final do séc. XVIII, após estudar racionalmente, em suas próprias palavras, o sistema penitenciário.
O modelo de prisão circular, aonde um observador central poderia monitorar simultaneamente todos os espaços que abrigassem presos em um cárcere, poderia ser adotado em escolas e no trabalho, a fim de tornar eficiente o funcionamento desses espaços. É a partir desse desenvolvimento que Foucault articula seus estudos sobre dispositivos disciplinares, ou sobre dispositivos que permitam vigilância e controle social progressivamente mais radicais. No entanto, desde os anos 1960 surgem cada vez mais tecnologias de comunicação que permitem novas formas de vigilância, nem sempre percebidas dessa forma por quem as usa. A disseminação do Panóptico acompanha a progressão do encarceramento em massa e, conforme enfatizou Deleuze nos anos 1990, gerou a criação de uma Sociedade de Controle.