Há uns tempos atrás, circulava na Net uma anedota que não pode deixar de provocar pelo menos um sorriso. Tratava-se de uma imagem de uma resposta apresentada por um aluno bastante engenhoso (imagem 1).

O aluno não deu de caras com o mais famoso dos ternos pitagóricos, mas tem de se concordar que apresentou algo bastante divertido: uma resposta do tipo where’s Wally?. Esta imagem circulou por milhões de endereços electrónicos; provavelmente o leitor deste artigo já a terá visto. Houve quem achasse tanta graça que a imprimiu em canecas e t-shirts (imagens 2 e 3).

Esta anedota é um óptimo mote para um breve texto sobre um tema matemático absolutamente determinante para todos nós, que é a incógnita, tantas vezes representada pela letra x. Ainda que inconscientemente, esta anedota toca no ponto mais importante relativo à utilização de incógnitas – x não aparece para se representar a si mesmo como letra ou som. Aparece para representar qualquer coisa que queiramos, dependendo do contexto ou do problema. Neste exemplo, o professor escreveu x para representar a medida da hipotenusa de um triângulo e o aluno, num rasgo de génio, fez humor subvertendo o papel matemático da incógnita focando a atenção no x em si mesmo.

Considere o leitor a imagem de um livro de matemática típico de uma criança de 11 ou 12 anos de idade (imagem 5). A mãe da Anita é 23 anos mais velha do que a Anita. Portanto, sabendo que a Anita tem 12 anos. A sua mãe tem 35 anos.

Quando a Anita tinha 7 anos a sua mãe tinha 30 anos.

Quando a Anita tinha 1 ano a sua mãe tinha 24 anos.

Quando a Anita tinha x anos a sua mãe tinha … anos.

Repare-se no poderoso fenómeno que ocorre nesta simplicíssima situação. Se soubermos que a mãe da Anita tem mais 23 anos do que a Anita, constatamos imediatamente várias situações concretas; se a Anita tiver 1 ano, a mãe tem 24; se a Anita tiver 7 anos, a mãe tem 30; se a Anita tiver 12 anos, a mãe tem 35. Mas se não quisermos concretizar, pensando apenas na relação em abstracto, podemos dizer que se a Anita tiver x anos, a mãe terá 23+x. Repare o leitor na enorme eficácia desta ideia; sendo x a idade da Anita, através da relação 23+x para a idade da mãe, dizemos tudo o que há para dizer sem ter de concretizar. Numa curta expressão com apenas 4 símbolos mencionámos todos os casos. E, nos tempos modernos, crianças de 11 ou 12 anos de idade começam a ganhar destreza neste tipo de processo mental. O Homem moderno pensa de uma forma incrivelmente abstracta. Sir Thomas Percy Nunn (1870 –1944), proeminente especialista em educação britânico disse uma vez:

The discovery of variables is probably the most important event in the history of humanity and the sovereignty of their use will remain as one of the most important successes.

Muitos matemáticos defenderam o mesmo tipo de ideia. George Polya (1887-1985), famoso matemático húngaro com importantes contribuições no que diz respeito ao pensamento lógico matemático, defendeu o seguinte:

Why word problems? I hope that I shall shock a few people in asserting that the most important single task of mathematical instruction in the secondary schools is to teach the setting up of equations to solve word problems. Yet there is a strong argument in favor of this opinion. In solving a word problem by setting up equations, the student translates a real situation into mathematical terms; he has an opportunity to experience that mathematical concepts may be related to realities, but such relations must be carefully worked out.

Embora concordando inteiramente com a visão de Sir Thomas Percy Nunn, devemos dizer que o advento da incógnita e da utilização de variáveis não é coisa que tenha sido descoberta da mesma forma que Colombo descobriu a América (a América estava lá para ser descoberta). Também não é coisa que tenha sido inventada como as máquinas voadoras dos manuscritos de Leonardo Da Vinci. Sendo «one of the most important successes», a utilização de incógnitas e variáveis foi algo dinâmico e com muita maturação ao longo de muito tempo. Todos nós gostamos de heróis como Isaac Newton ou Albert Einstein mas, no que diz respeito ao tema deste texto, não temos um herói único para apresentar. Não aconteceu de um dia para o outro, nem sequer de um século para outro. Foi um verdadeiro trabalho de equipa da humanidade. Tal como uma língua, também esta temática constitui um processo altamente dinâmico.

Muitos apontam François Viète (1540 – 1603), Seigneur de la Bigotière, com o seu trabalho na nova álgebra, como sendo verdadeiramente inovador, designando quantidades conhecidas por consoantes (B, D, etc.) e quantidades desconhecidas por vogais (A, E, etc.). No entanto, repare-se em (B in D Quadratum 3 - B in A Quadratum 3)/4, como ainda não se usava o tipo de solução sintética actual para a expressão (3BD^2-3BA^2)/4

Além disso, dezenas de outras personalidades participaram neste caminho, antes e depois de Viète. O leitor interessado poderá encontrar informação exaustiva no livro A History of Mathematical Notations de Florian Cajori.

A álgebra nasceu durante a era de ouro da civilização islâmica (entre 750 e 1258 d.C.) e a sua origem pode ser encontrada no trabalho de Muhammad Al-Khwarizmi (~780 - ~850), o livro Hisab al jabr wal-muqabala, de cujo título obtivemos a palavra «álgebra». Nesta obra, são introduzidas as noções e terminologias algébricas básicas. No entanto, Al-Kwarizmi não recorria ainda a símbolos, o seu texto é todo elaborado em palavras, por extenso. Numa comunicação recente (TED talk), Terry Moore[] (director da The Radius Foundation), propôs que o uso da letra *X se deve à incompetência de tradutores espanhóis, relativamente a sons árabes (f). Um caso importante era a letra “sheen” (ou xis). De acordo com esta visão, a palavra para “coisa desconhecida” em árabe é al-shalan. Como o espanhol não tinha um som correspondente ao “sh”, Moore defendeu que começou a surgir um fenómeno como o conhecido Xmas significando «Christmas».

Esta visão é altamente especulativa e não fortemente documentada... Com o devido respeito por todas as opiniões, pensamos que a frequente utilização actual do x se pode dever a uma combinação de vários factos, como ser uma letra pouco utilizada na escrita de palavras, comparativamente com muitas outras letras. Além disso, não dá origem a confusões com numerais, tais como o «y» que se pode confundir com um «1» ou o «z» que se pode confundir com um «2». Além disso, há letras que já estão tomadas; t frequentemente designa o tempo ou time, r designa razão ou ratio, etc. A letra x acaba por apresentar muitas vantagens de ordem prática. É claro que o leitor pode argumentar que x é facilmente confundível com o símbolo da multiplicação. E tem razão; também o símbolo da multiplicação tem deixado de aparecer em várias circunstâncias, o que resolve em boa parte esse problema (3x em vez de 3xx). O processo é dinâmico e não termina. Ao longo dos tempos, a prática acaba sempre por falar mais alto, trazendo outros refinamentos. É confortante saber que uma das conquistas mais poderosas é um edifício construído por muitos.

O que é realmente relevante em tudo isto é que a utilização de variáveis e o acto de equacionar é vital para o desenvolvimento da ciência e é algo omnipresente nas nossas vidas. As incógnitas, por poderem representar qualquer coisa de forma altamente abstracta, são muito úteis. Precisamente devido a essa característica, permitem «andar para frente» com problemas antes de se saber a sua solução ou, tal como no exemplo da idade da mãe da Anita, permitem simplesmente obter expressões muito gerais.

Para leitores interessados, aconselhamos vivamente a leitura do livro Álgebra Recreativa de Yakov Perelman (1882 – 1942), um nome incontornável da matemática recreativa. Neste livro, podemos ver a utilização de equações elementares ao serviço de problemas bastante divertidos e, em alguns casos, bastante sofisticados.

As equações são tão poderosas que muitas vezes pensam por nós! Um dos exemplos mais paradigmáticos desse facto é proposto precisamente por Perelman. É um problema muito simples mas, se o leitor gosta de equacionar, deixe-se levar sem ler o fim deste artigo.

O pai tem 32 anos; o filho tem 5. Ao fim de quantos anos será a idade do pai dez vezes superior à do filho?

Ao equacionarmos o problema, representamos o tempo procurado por x. Daqui a x anos, o pai terá 32+x anos e o filho terá 5+x anos. Como estamos a estipular que daqui a x anos teremos a solução pretendida, fica estabelecida a equação

32+x = 10(5+x)

Ao resolvermos, obtemos a solução x=-2. Neste exemplo simples podemos captar o poder de tudo isto. Mesmo não visualizando o cenário completo no início, a equação «falou» connosco. A solução é um número negativo, o que significa que o momento é passado e nunca mais vai acontecer. Aconteceu há dois anos. Foi apenas nessa altura, já passado, que a idade do pai foi dez vezes superior à do filho!

[*]