Quando em 1748, o irlandês João Beare transferiu a sua fábrica de vidro de Coina para a Marinha Grande, estava longe de imaginar que a indústria vidreira iria transformar tão profundamente aquela terra, e atingir tais dimensões que passou a fazer parte da identidade nacional.
Durante dois séculos, e até aos dias de hoje, se tem produzido vidro na Marinha Grande. Se o seu início não parecia auspicioso, com a fábrica de Beare a encerrar alguns anos depois, em 1769, o inglês Guilherme Stephens reacendeu a chama daquela fábrica e deu-lhe os primeiros vislumbres de riqueza e prosperidade graças aos muitos incentivos do rei D. José.
Com a população local a aumentar de dia para dia, devido à crescente procura de funcionários para a fábrica, fechar não era uma opção, pelo que, melhor ou pior gerida, ao longo dos anos, a fábrica foi subsistindo. Houve épocas, porém, em que esta esteve em perigo, devido à falta de inovação, de automatização de processos, de excesso de funcionários ou de má gestão, vindo a perder o seu esplendor e encerrando definitivamente em 1992.
Todavia, o vidro e a tradição da Marinha Grande mantiveram-se vivos, através de outras fábricas que foram abrindo desde finais do século XIX. Desde aí até agora, com mais ou menos fábricas em funcionamento, o vidro português continua a ser da Marinha Grande, embora já não seja essa a indústria que define aquela localidade, mas a dos moldes.
Se a indústria garrafeira se destacou do sector, demarcando-se da crise e continuando a crescer, a indústria vidreira dos cristais e das peças domésticas e decorativas subsiste num constante desafio, longe dos incentivos de outrora. Curiosamente, são precisamente aquelas que se mantiveram fiéis à tradição que melhor respondem agora às exigências dos clientes. A plasticidade do vidro soprado e moldado à mão, permite uma personalização e adaptação às necessidades que as máquinas não permitem.
Assim, o vidro da Marinha Grande sofreu uma grande transformação ao longo de todas estas décadas, e parece estar a regressar às suas origens, provando que a identidade daquela terra é capaz de sobreviver a todas as crises e instabilidades.