Tenho escrito aqui sobre as dificuldades de adaptação, as alegrias, venturas e desventuras de sair do país e descobrir um mundo novo. Mas realmente acho que esses textos, as reflexões que faço, valem para qualquer pessoa que sai de sua zona de conforto. Da sua cidade natal.
O Brasil, por exemplo, é um país tão grande, com tantas diferenças culturais que desfilam do Oiapoque ao Chuí, que uma pessoa do Sul que tenha que se mudar para o Norte, com certeza vai passar pelas mesmas experiências, dúvidas, angústias, alegrias e descobertas que eu tive ao escolher vir para a China.
Está certo que precisamos deixar claras as ‘devidas proporções’ dessas mudanças. Um dos fatores facilitadores é a lingua, que por mais que se tenha regionalismos, basicamente é a mesma. E a distância. Preciso de 36 horas viajando para chegar na casa dos meus pais no Brasil. Se estivesse no Norte, precisaria de 8 horas (nas duas opções estou contando com uma escala rápida!).
O fator predominante é que estaremos fora da nossa cidade, longe dos nossos amigos e familiares, tendo que reconstruir todas as relações sociais, profissionais, se adaptar a nova casa, os filhos à escola e assim vai. O interessante é que vemos pessoas que se adaptam de uma maneira espetacular, logo estão enturmadas, andando atrás das coisas para facilitar o dia a dia, buscando descobrir cada canto da cidade, vivendo. Outras se fecham numa concha, e não saem, não se arriscam, parece que há uma ancora em cada perna, para elas tudo é dificil, e sofrem.
Mas porque essa diferença? Será que é somente a disposição de cada uma delas?
Conheço pessoas que na sua cidade, no seu ‘porto seguro’ eram super ativas, decididas, independentes e de repente, frente a mudança, pararam. Nada faz com que se movam, reinventem a vida e a nova rotina. Outras levavam a vida bem, mas já não eram assim super destemidas mesmo em seu lugar. Aí chega em outro local e realmente tudo fica difícil.
Há aquelas que, muitas vezes inconscientemente, não querem a mudança. Então colocam uma ‘máscara’ para tentar encarar a nova realidade, seja porque não tem outra opção ou porque, pensando racionalmente, a mudança seria o melhor para toda a família. Mas na hora ‘H’, quando percebe onde está, quando a ‘ficha cai’, tudo aquilo que foi encoberto por ela mesmo vem à tona.
Dá para julgar? Não. Na realidade cada um sabe o que fazer da sua vida, sempre.
Só que de todos os casos que presenciei aqui, têm os radicais, os que ficam em cima do muro e aqueles que sofrem por não estar conseguindo a adaptação que esperavam. Isso é uma situação bem complicada. E da mesma forma, considero que as pessoas que você se relaciona nesse período de mudança é que farão a grande diferença nesse processo. Nesses 10 anos de China, 5 em Shanghai onde temos uma comunidade muito mais consistente, conheci pessoas que após conhecer um grupo mais aberto, mais otimista em relação à China e ao período que passamos aqui, relatou (uma, em especial, nesse caso) que nunca imaginou que era possível ser feliz aqui, pois o grupo ou as pessoas que conheceu logo que chegou eram super ‘revoltadas’ em viver na China e diziam que ela tinha mesmo que ir tocando, saindo o menos possivel, pois tudo era sujo, feio e perigoso, e rezar para o tempo passar depressa, contar os dias para ir embora. Isso parece loucura, mas tem pessoas que quase fazem aquela coisa de presidiário, de ir escrevendo e marcando as semanas na parede para ver quando acaba a ‘pena’.
Aí tenho que fazer um parêntese: Shanghai é um lugar completamente fora do padrão de tudo que se ouve à respeito da China. No minimo é 90% menos radical em relação à cultura, à alimentação, ao lazer do que o restante do país.
Teve um outro caso, de uma moça que queria ir embora de todo o jeito, ela não conhecia ninguém, achava que não havia um só brasileiro aqui, fez que fez, que o marido não renovou o contrato. Um belo dia, deu um encontrão com uma brasileira no supermercado. Se surpreendeu e acabou ficando com o contato. Resumindo, começou a participar de um grupo super ativo de brasileiras, que trabalhavam em prol de uma instituição que custeia cirurgias de órfãos chineses, e descobriu o lado bom da vida do outro lado do mundo: novas amizades, pessoas que se ajudam, que emprestam o ombro para as horas de dúvida e vibram com as pequenas vitórias do dia a dia!
Mas nesse ponto, ela já estava quase para voltar e não teria mais como mudar isso, pois naquele momento, ela percebeu que se tivesse conhecido esse ou outro grupo assim antes, não teria sofrido tanto e talvez até tivesse ficado por um período maior. No final, a volta ao Brasil aconteceu, mas até hoje ela mantém um ‘pedacinho do coração’ aqui. Inclusive continua colaborando com as atividades do grupo, enviando seus trabalhos do Brasil sempre que aparece uma ‘mala’ disponível com destino a Shanghai.
As que vêm e se adaptam de cara, geralmente são desbravadoras e vão buscar as pessoas, as comunidades, consulados. E vamos combinar que hoje em dia, com a tal da internet, Google, smartphones, tablets e facilidades de aplicativos (até para medir a pulsação), as coisas ficam infinitamente mais fáceis.
Mas o que realmente me emociona é ver pessoas que não queriam vir de jeito nenhum, só que conseguiram lutar contra as próprias dificuldades e depois não queriam ir embora.
E é essencial entender que cada ser é um e, muitas vezes, o que é fácil para um, pode ser o maior desafio da vida para outro. Mas se a vontade de ser feliz dentro das suas possibilidades for forte e latente, qualquer um dos dois vão vencer o desafio. Quem não está aberto para a felicidade, não conseguirá ser feliz nem no Brasil, nem na China. Isso é fato.
Então se você está para mudar de bairro, cidade, estado ou país tenha isso em mente: corra atrás. Sua vida não para. Nunca. E o melhor que podemos fazer por nós mesmos é tentar transformar cada experiência em uma aventura, cada diculdade em uma lição de vida e cada conquista em um troféu para levarmos pela vida. E você, já contou quantos troféus conseguiu se permitir ganhar? Espero que sejam muitos! Se ainda não tem nenhum, olhe com carinho para seu futuro. Você irá se espantar com as possibilidades!