Não o diria antes, porque manda a discrição que quando estivemos envolvidos num projecto (ainda que modestamente) o não comentemos. Mas, entretanto, o Museu Nacional Machado de Castro recebeu o prémio de Melhor Museu Português 2013, atribuído pela Associação Portuguesa de Museologia (APOM), o que nos liberta de tais pruridos e permite dizer, sem pejo, que o novo Machado de Castro está, verdadeiramente, um espanto! O vetusto edifício, antigo Paço Episcopal e que inclui um criptopórtico romano nas suas fundações, recebeu um projecto de Gonçalo Byrne que o transformou numa peça moderna incrustada na trama antiga de Coimbra, que permite um percurso extraordinário pela arqueologia, arquitectura e arte.
O visitante é acolhido no pátio central do edifício com, para lá da loggia de Filippo Terzi, uma vista soberba sobre a Universidade e a baixa de Coimbra; a esplanada e o restaurante usam desse varandim sobre a cidade e, mesmo que se não pretenda visitar o museu, é um privilégio estar nesse local para um café, um snack ou uma refeição completa. A visita começa pelo criptopórtico, descendo às entranhas de uma Coimbra romana, tendo ao alcance a lápide mais remota que à cidade alude, percebendo a estrutura arquitectónica e o trabalho arqueológico que a esclarece e percorrendo alguma da estatuária romana que nos transporta a essa outra Coimbra de há mais de dois mil anos.
Reassomando à superfície, continua o percurso pelas fundações e pelo claustro da desaparecida igreja de S. João de Almedina, que é cenário para a exposição de algumas das mais antigas peças de escultura românica do acervo do museu. Num diálogo constante entre a arqueologia, a arquitectura (antiga e contemporânea) e a arte o visitante avança cronologicamente por entre Românico, Gótico e Renascimento para desembocar na obra de João de Ruão que é exuberantemente apresentada e interpretada. Nesta fase do percurso, a espectacularidade da Capela do Tesoureiro (datando dos meados do século XVI e reconstruida dentro do Museu) rouba toda a atenção do visitante, que a custo se voltará a concentrar nas peças individuais expostas nessa vasta sala. Ajuda a esse processo de observação de cada peça o audioguia que é disponibilizado gratuitamente e que faz de companhia informativa e interpretativa ao longo de toda a visita.
Descem-se então dois pisos para se aceder à sala da Ceia de Hodart, constituída por um fabuloso espaço expositivo em que as peças de barro ganham um destaque soberbo, face a face com o visitante, como que o interpelando silenciosamente. A sala é, confessemo-lo, difícil de abandonar, dado o impacto cénico que consegue. Num recanto seguinte está disponível um vídeo que explica como foi feita a recuperação e o restauro das peças e que é muito elucidativo do imenso trabalho que uma sala aparentemente simples como a da Ceia de Hodart pode implicar.
A visita segue pelo mundo da escultura europeia dos séculos XVII e XVIII, sendo impossível referir toda a variedade e riqueza das peças expostas. Anotemos, no entanto, que a linguagem expositiva se mantém coerente e que o visitante se sente permanentemente acompanhado nessa viagem cronológica e estilística. Segue-se a secção dedicada à pintura portuguesa dos séculos XV a XVIII, recheada por alguma das peças mais significativas do período. Em pontos estratégicos a arquitectura do novo museu permite a observação para lá das suas paredes, em janelas rasgadas para o exterior e que mostram o panorama da cidade ou pormenores das ruas que envolvem o antigo Paço Episcopal. Noutros pontos, a observação é desviada das peças expostas para se centrar num varandim, ou numa abertura, que revela aspectos do interior do próprio museu, ou uma outra perspectiva sobre peças por onde se havia já passado (como é o caso do anjo que sustenta a custódia do Sacramento). Nesta fase do percurso o visitante é confrontado com uma riquíssima colecção de ourivesaria de peças dos séculos XII a XIX, a que se segue uma outra de faianças, abrangendo o mesmo período cronológico e entrando pelo século XX. Têxteis, mobiliário e outras artes decorativas constituem a fase final da visita, de onde ressaltam peças provenientes do Oriente que pelo seu exotismo de cores e formas inevitavelmente atraem a atenção.
Ao longo de toda a visita há quiosques interactivos onde pode ser buscada mais informação sobre o exposto, e o percurso termina numa ampla sala onde uma série desses interactivos convida a uma revisita aos pontos mais atractivos do Museu. Segue-se a loja, muito convidativa e plena de motivos de interesse e o visitante regressa ao pátio central e à possibilidade de se deleitar com as vistas sobre Coimbra, da Universidade ao Mondego.
Inaugurado em 1913, o Museu Machado de Castro teve como acervo inicial as coleções que pertenciam ao Instituto de Coimbra e ao Museu das Pratas, recebendo classificação de Museu Nacional na década de 1960 para homenagear o escultor régio, considerado um dos maiores representantes da escultura portuguesa do século XVIII. Após obras de remodelação, o museu reabriu ao público em 2012, com as áreas de exposição permanente e de acolhimento aos visitantes concentradas no mesmo edifício.