Com seu corte de cabelo impecável, óculos escuros e sorriso enigmático, Anna Wintour é facilmente reconhecida, tanto pelo seu estilo como pelo seu impacto no mundo da moda.

Durante seus mais de 50 anos de carreira, sendo 30 deles na Vogue, ela se consolidou como uma força nos bastidores, descobrindo novos talentos, redefinindo estilos, antecipando tendências e levando a moda para além das passarelas.

O interesse da editora chefe da Vogue pela moda e pelas palavras cresceu há muitos anos atrás. Filha de Charles Wintour, editor do Evening Standard, e de Eleanor Trego Baker, defensora dos direitos das mulheres, Anna teve uma infância marcada pelo contato com as palavras, a cultura e o universo editorial. Na Londres dos anos 1960, em plena efervescência da Swinging London, ela testemunhou de perto a transformação cultural da cidade e começou a desenvolver seu interesse pela moda ainda adolescente. Trabalhando ao lado de seu pai, ajudava a atrair um público jovem para o jornal, e foi nesse ambiente que começou a moldar sua visão afiada para o mundo fashion.

Aos 16 anos, Anna tomou uma decisão ousada: abandonou os estudos para seguir sua paixão pela moda. Seu primeiro emprego foi como vendedora na famosa butique londrina Biba, um lugar icônico para os amantes da moda na época. Essa experiência inicial a colocou em contato com o que havia de mais inovador e a ajudou a moldar sua visão de futuro. Pouco depois, ela foi para os Estados Unidos, onde iniciou sua carreira editorial na Harper's Bazaar e, mais tarde, na revista Viva. Foi nessa fase que Anna começou a ser reconhecida por sua determinação e exigência.

O grande marco na carreira de Anna Wintour aconteceu quando ela se tornou editora da revista New York. Lá, ela mudou completamente a abordagem editorial, colocando celebridades de cinema nas capas e capturando o espírito do momento. Sua visão inovadora chamou a atenção da Condé Nast, que a contratou em 1983 para ser editora criativa da Vogue britânica.

Anna fez uma transformação radical na edição inglesa da revista, demitindo a maior parte da equipe existente e trazendo novas estrelas do jornalismo de moda. Ela abandonou o tradicional enfoque editorial antiquado, adotando um estilo mais prático e influenciado pela cultura americana. Com seu jeito frio e autoritário, assumiu o controle total da publicação e ganhou o apelido que a seguiria por anos: "Nuclear Wintour". Esse trocadilho com "Nuclear Winter" (Inverno Nuclear), popular durante a Guerra Fria, evocava o cenário sombrio de um planeta devastado por um holocausto atômico.

Em 1988, Anna chegou ao cargo de editora-chefe da Vogue americana, onde deu início a uma revolução na revista, introduzindo fotografias mais espontâneas e diversificando o elenco de modelos com novos rostos.

A temida "Nuclear Wintour"

Com sua postura firme e padrões elevados, Anna ganhou o apelido de "Nuclear Wintour".

A maneira rigorosa com que Anna comandava a revista trouxe resultados rápidos, transformando a Vogue em uma referência global no mundo da moda. Logo em sua primeira capa, ela quebrou tradições ao colocar uma modelo vestindo calças jeans combinadas com um casaco de alta-costura, marcando o início de uma nova era tanto para a revista quanto para o setor. Essa ousadia refletia sua habilidade em captar e antecipar mudanças culturais.

Sob sua liderança, Anna refinou o foco editorial, sofisticando ainda mais o conteúdo e revitalizando as capas. Em vez dos close-ups de estúdio que eram característicos da era Mirabella, Anna optou por fotografias de corpo inteiro ou em plano americano, muitas vezes em luz natural, uma atualização do estilo iniciado por Diana Vreeland, uma das grandes influências da Vogue.

Ela também introduziu novos talentos, incluindo adolescentes quase desconhecidas, como Gisele Bündchen nos anos 1990, e ousou com capas mostrando modelos de cabelos molhados, sem maquiagem, destacando a estética da "geração saúde" daquela década. Além disso, deu espaço para maquiadores, cabeleireiros, produtores e fotógrafos brilharem, enquanto diversificava as capas ao incluir celebridades, estrelas de cinema, socialites e até uma primeira-dama.

Sua abordagem de controle total sobre o conteúdo, tanto texto quanto fotografia, tornaram-se marca registrada da publicação. No entanto, sua obsessão pelo uso de peles e a recusa em aceitar anúncios de associações de defesa dos animais fizeram dela um alvo frequente de grupos como a PETA. Em um desfile da Victoria 's Secret em 2002, manifestantes invadiram a passarela para protestar contra Gisele Bündchen, que desfilava coberta de peles, com Wintour assistindo da primeira fila.

Anna também foi responsável por descobrir e promover estilistas desconhecidos, como Marc Jacobs e John Galliano, ajudando a consolidá-los como ícones da moda mundial. Sob sua direção, a Vogue rapidamente recuperou sua supremacia sobre concorrentes como Elle, Harper 's Bazaar, Mirabella e Women 's Wear Daily, aumentando tanto o faturamento quanto a tiragem. Em setembro de 2007, a revista lançou uma edição histórica com 840 páginas, sendo três quartos delas de publicidade, tornando-se a maior revista mensal em volume de páginas e anúncios da história editorial, consolidada como a "bíblia da moda".

Segundo o The New York Times, Anna Wintour tem sido financeiramente bem recompensada também, seu salário gira em torno de U$2 milhões anuais, enquanto suas assistentes ganham cerca de U$40.000 por ano. Além disso, ela desfruta de benefícios como um carro com motorista, uma mesada de U$200.000 para compras e estadias garantidas na Suíte Coco Chanel do Ritz de Paris durante suas viagens às semanas de moda.

Anna Wintour veste Prada

Em 2003, Lauren Weisberger, ex-assistente pessoal de Anna Wintour, publicou o best-seller O Diabo Veste Prada, uma obra ficcional que narra a história de uma editora de moda poderosa, rude e temida, em uma revista influente, e seu relacionamento com secretárias, assistentes e outros personagens do universo fashion. A trama segue Andrea Sachs, uma jovem recém-formada que, como estagiária, enfrenta grandes desafios sob o comando da poderosa editora "Miranda Priestly". O livro é frequentemente visto como uma biografia disfarçada de Lauren durante seu período como assistente de Wintour na Vogue, embora a autora insista que se trata apenas de ficção.

O livro vendeu milhões de cópias mundialmente e permaneceu por várias semanas no topo da lista de best-sellers do The New York Times. Em 2006, foi adaptado para o cinema, com Meryl Streep brilhantemente interpretando a temida "Miranda Priestly". Assim como Wintour na vida real, Miranda tem duas filhas e faz parte do conselho do Metropolitan Museum of Art de Nova York, além de ter um escritório decorado de maneira semelhante ao de Anna Wintour na Vogue.

Na pré-estreia de gala do filme, Anna Wintour compareceu vestindo Prada e, em entrevista, comentou que esperava que o longa fosse lançado diretamente em DVD. No entanto, com o sucesso estrondoso – arrecadando mais de 350 milhões de dólares em bilheteria global – e rendendo a Meryl Streep o Globo de Ouro de "Melhor Atriz de Comédia" e sua décima-quarta indicação ao Oscar, Wintour mudou de postura, afirmando que achou o filme um ótimo entretenimento, que retrata de forma divertida e interessante o mundo da moda. Seja verdade ou ficção, o filme elevou seu status para uma celebridade global.

Afinal, quem é Anna Wintour?

A imagem da poderosa e distante Wintour ganhou força com a publicação do livro e a adaptação cinematográfica de "O Diabo Veste Prada". Embora alguns aspectos possam ter sido exagerados, a maioria das pessoas que trabalhou com ela não desmente completamente essa descrição e poucos se manifestam em defesa de uma chefe amigável e calorosa. “Ela foi bastante rude com muitas pessoas no passado, enquanto subia na carreira — muito direta. Ela não faz conversa fiada e nunca será amiga de uma assistente”, contou um ex-colega ao The Guardian em 2006. Esse mesmo colega ainda afirmou que Wintour teria suavizado sua personalidade após conhecer Shelby Bryan, com quem se casou em 2004, cinco anos após o divórcio de David Shaffer.

Dentro da redação da Vogue, existe uma regra tácita: jamais tentar iniciar uma conversa casual com Anna Wintour. Este conselho, na verdade, se estende muito além da revista que ela comanda. Trish Halpin, ex-editora da Marie Claire, compartilhou ao Daily Mail uma lembrança que reflete bem essa atmosfera: ao cruzar com Wintour no controle de segurança do aeroporto de Heathrow, houve apenas um leve aceno de reconhecimento enquanto tiravam seus casacos e sapatos.

Apesar disso, o mito da "Rainha de Gelo" persiste. Rumores indicam que é desaconselhado tentar estabelecer contato visual com ela, e há até relatos de pessoas que sofreram ataques de pânico ao imaginar a possibilidade de dividir um elevador com a diretora da Vogue. “Não vejo Anna sendo acessível a quem não precisa”, observou Tom Florio, publisher da Vogue, no documentário September Issue. Ele ainda acrescentou: “Acho que ela se diverte com o fato de não ser totalmente acessível. Só o escritório dela já é incrivelmente intimidador.

Você precisa andar quase um quilômetro até chegar à mesa, e tenho certeza de que isso é intencional”, completou Grace Coddington, diretora criativa da Vogue na época.

Anna Wintour não é apenas uma editora de sucesso. Ela se tornou a personificação da indústria da moda. Sua contribuição foi reconhecida com a Ordem do Império Britânico, e recebeu da indústria de revistas o prêmio de "Editora do Ano". Mesmo após décadas no topo, Anna continua a ser a influência mais forte no mundo da moda. Sem dúvidas não há como separar a indústria da moda de Anna Wintour, os dois são um só.