A moda, ao longo da história, não tem sido apenas um reflexo de estilo e cultura, tem sido uma manifestação dos avanços tecnológicos e escolhas químicas feitas para alcançar determinadas cores e texturas. No entanto, essas escolhas nem sempre foram seguras. Um exemplo marcante é o uso de corantes à base de arsénico na segunda metade do século XIX, uma prática que trouxe graves consequências para a saúde pública. Hoje, embora os processos de produção de roupas tenham evoluído, a indústria da moda, especialmente o setor de fast fashion, continua a enfrentar desafios relacionados ao uso de produtos químicos, muitos dos quais ainda apresentam riscos ambientais e para a saúde.
Na segunda metade do século XIX, a descoberta e popularização dos corantes sintéticos revolucionaram a moda. Entre esses, o verde de Scheele e o verde de Paris (também conhecido como verde de Schweinfurt) tornaram-se particularmente populares. Esses corantes eram derivados do arsénico, um elemento altamente tóxico, e foram amplamente utilizados para produzir tecidos de um verde vibrante, muito apreciado na época.
Os corantes de arsénico foram utilizados não só em roupas, mas também em acessórios, como chapéus e luvas, e até mesmo em artigos de decoração, incluindo papeis de parede. A sua cor viva tornou-os extremamente populares entre as classes mais abastadas, que viam o verde como uma cor de sofisticação e nobreza.
O contacto prolongado com roupas e outros materiais tingidos com arsénico podia causar uma série de problemas de saúde. Os sintomas de envenenamento incluíam irritação da pele, problemas respiratórios, e, em casos graves, sintomas neurológicos e morte. Trabalhadores da indústria têxtil, que manipulavam diretamente os corantes, estavam em especial risco, assim como os consumidores que usavam essas roupas em contato direto com a pele.
Com o tempo, os perigos associados ao uso de corantes de arsénico tornaram-se impossíveis de ignorar. Relatos de envenenamento começaram a surgir, e a opinião pública pressionou para que se fizesse algo. Apesar da resistência inicial, especialmente devido à popularidade do corante, o uso de arsénico em produtos de moda começou a declinar à medida que o século XIX chegava ao fim, em grande parte devido à crescente consciência dos riscos à saúde.
Hoje, a moda continua a ser uma indústria global massiva, mas o foco mudou para a produção rápida e barata de roupas, o que caracteriza o fenômeno conhecido como fast fashion. Este modelo de produção e consumo introduz grandes volumes de novos produtos no mercado a uma velocidade sem precedentes.
Mesmo após 124 anos a indústria de fashion continua a utilizar produtos tóxicos, mas no atual cenário não é apenas um componente, e sim uma ampla gama de produtos químicos durante o processo de fabricação. Estes incluem corantes, fixadores, amaciadores, retardadores de chama e agentes antimicrobianos. Muitos destes produtos são derivados de substâncias sintéticas, como compostos perfluorados (PFCs), formaldeído, e metais pesados como cádmio e chumbo.
Os produtos químicos utilizados na fast fashion não afetam apenas os seres humanos, mas também têm um impacto devastador no meio ambiente. O uso intensivo de água e produtos químicos na produção de roupas pode levar à contaminação dos cursos de água, impactando a fauna e flora locais. Além disso, muitos dos produtos químicos utilizados não são biodegradáveis, e continuam no meio ambiente por décadas.
Embora os contextos históricos e as substâncias específicas diferem, existem paralelos inquietantes entre o uso de corantes de arsénico no século XIX e os produtos químicos modernos usados na fast fashion.
Tanto no século XIX como hoje, o uso de produtos químicos perigosos na moda tem consequências graves para a saúde. No século XIX, as pessoas sofriam de envenenamento por arsénico; hoje, enfrentamos os riscos de exposição a formaldeído, PFCs e metais pesados. Em ambos os casos, as consequências de curto e longo prazo incluem doenças graves e, em casos extremos, a morte.
No século XIX, a falta de regulamentação permitiu o uso generalizado de corantes à base de arsénico. Embora as regulamentações modernas sejam mais severas, ainda existem lacunas significativas, especialmente em países em desenvolvimento onde a produção de fast fashion é predominante.
Assim como no século XIX, os impactos dos produtos químicos na moda moderna afetam desproporcionalmente os trabalhadores e as comunidades mais vulneráveis. Hoje, são os trabalhadores das fábricas em países como Bangladesh, Vietname e Etiópia que sofrem os maiores riscos, muitas vezes em condições de trabalho precárias e com pouca proteção.
A consciência dos perigos químicos na moda está a crescer, tal como aconteceu no século XIX com o arsénico. No entanto, a resposta a esses perigos ainda é lenta e insuficiente. A pressão pública e a demanda por uma moda mais sustentável e segura são essenciais para impulsionar mudanças reais e muitas vezes não é interessante fazer essa conscientização pois a sociedade num modo geral é extremamente consumista.
Enquanto a moda continua a ser um reflexo da cultura e da inovação, é crucial que a indústria aprenda com os erros do passado. O uso de produtos químicos perigosos na produção de roupas não pode ser justificado pelo custo ou pela velocidade da produção.
A história do uso de corantes de arsénico no século XIX serve como um lembrete poderoso dos perigos que a moda pode representar quando a segurança e a saúde pública são negligenciadas. Embora os produtos químicos utilizados hoje na fast fashion sejam diferentes, os riscos continuam a ser significativos. Para evitar repetir os erros do passado, é imperativo que a indústria da moda, os governos e os consumidores trabalhem juntos para promover uma moda que seja não apenas estilosa, mas também segura e sustentável para todos.