A moda e a arte sempre tiveram uma relação simbiótica: uma sempre influencia a outra de maneira profunda e enraizada. Além de serem manifestações estéticas, ambas têm servido como meios poderosos de expressão política e social. A evolução da moda, especialmente nos séculos XX e XXI, ilustra claramente como essas duas formas de expressão se entrelaçam para refletir e, muitas vezes, desafiar o status quo e, além disso, como lutar contra ele.
O diálogo entre moda e arte é contínuo e apresenta um contingente enorme de exemplos ao longo da história. Desde o Renascimento, quando a indumentária começou a ser documentada em retratos, até os movimentos de vanguarda do século XX, a moda tem sido um espelho da sociedade e uma ferramenta para artistas explorarem novas ideias. Um dos exemplos mais notórios foi o trabalho de Elsa Schiaparelli nos anos 1930, que teve influência do Surrealismo e, mais pessoalmente, uma colaboração magnífica com Salvador Dalí, amigo e colega da designer. A partir de momentos como esse, os designers de moda passaram a demonstrar com clareza como a moda podia transcender sua função utilitária para se tornar uma expressão de arte pura, fugindo por vezes (ainda hoje) do aspecto funcional da indumentária. Seus desenhos, como o famoso vestido de lagosta, eram tanto uma provocação estética quanto um comentário social.
Figura 1: Elsa Schiaparelli (italiana, 1890-1973). Vestido de jantar feminino, fevereiro de 1937. Organza de seda estampada e crina sintética. Museu de Arte da Filadélfia, 1969-232-52. Presente da Sra. Elsa Schiaparelli, 1969. Colagem criada por Celestial Rubenstein.
No pós-guerra, a ascensão de designers como Yves Saint Laurent refletiu um mundo em mudança. Saint Laurent foi pioneiro em introduzir elementos de vestuário masculino no guarda-roupa feminino, como o smoking, visual até então destinado única e exclusivamente aos homens. Le Smoking, lançado no inverno de 1966, não apenas desafiou normas de gênero, mas também simbolizou o empoderamento feminino, já que o smoking era feito exatamente com os mesmos códigos masculinos adaptados perfeitamente à silhueta feminina. Sua ousadia inspirou não só a moda, mas também a arte contemporânea, ecoando movimentos como o Feminismo, que começava a ganhar força.
No entanto, a moda como forma de protesto e expressão política tornou-se particularmente evidente na segunda metade do século XX. Durante os anos 1960 e 1970, um período marcado por turbulência social e política, a moda serviu como um veículo para a juventude expressar sua revolta contra o conservadorismo. O movimento hippie, com sua estética de roupas largas, coloridas e adornadas com símbolos de paz, foi um claro manifesto contra a guerra do Vietnã e o materialismo ocidental.
O Punk, estética que apareceu em meados dos anos 1970, foi outro movimento em que a moda desempenhou um papel central. A estilista Vivienne Westwood, junto com Malcolm McLaren, usou a moda para canalizar o descontentamento dos jovens britânicos com o sistema. Suas criações, caracterizadas por tachas, couro e elementos do fetichismo, não só definiram uma subcultura, mas também se tornaram um grito de guerra contra o “esteticamente correto”. A arte e a moda punk eram indissociáveis, com suas raízes na estética do faça-você-mesmo e na rejeição das normas tradicionais.
No século XXI, a interseção entre moda e arte continuou a se aprofundar, especialmente no contexto da globalização e da digitalização. Designers contemporâneos como Alexander McQueen e Rei Kawakubo (da Comme des Garçons) criaram coleções que são verdadeiras obras de arte, desafiando as fronteiras entre as disciplinas. McQueen, conhecido por seus desfiles teatrais e conceituais, usava a moda para explorar temas como identidade, morte e natureza, frequentemente provocando reações fortes e críticas sociais. Ainda hoje, seus desfiles históricos são vistos como referência.
Em termos de protesto, a moda contemporânea permanece uma ferramenta vital de expressão política. Em 2017, a Marcha das Mulheres em Washington D.C. foi marcada pelo uso massivo dos pussyhats – gorros rosa que se tornaram símbolos de resistência contra a retórica misógina. Esse simples item de vestuário, amplamente difundido e adotado globalmente, exemplifica como a moda pode mobilizar e unificar protestos, por vezes, das maneiras mais simples.
Hoje, um dos exemplos mais atuais do movimento da moda na política foi a atriz Cate Blanchett no Festival de Cannes, que escolheu um vestido nas tonalidades verde, branco e preto que, com a ajuda e complemento do próprio tapete vermelho, formava a bandeira da Palestina.
A moda e a arte são indissociáveis na sua capacidade de refletir e desafiar o mundo ao seu redor. Através dos tempos, a moda não só acompanhou a evolução artística, mas também se estabeleceu como uma poderosa forma de protesto e expressão política. Em um mundo onde a imagem e a aparência são cada vez mais valorizadas, a moda continua a ser uma plataforma crucial para a articulação de ideias e a busca por mudança. Seja através de um vestido surrealista de Elsa Schiaparelli ou de um simples gorro rosa, a moda permanece e permanecerá uma ferramenta vital de expressão e transformação social.