Desde criança, eu tive problemas para lidar com a minha desregulação emocional. Eu era aquela criança birrenta, que queria tudo no meu tempo e do meu jeito. Chorava e me irritava com facilidade. O problema é que esse comportamento se estendeu até a vida adulta, prejudicando minha relação com a família, com o parceiro e com o trabalho. Eu já não conseguia manter um diálogo saudável com o meu pai ou com a minha irmã e, no trabalho, levava tudo para o lado pessoal, o que culminou na minha demissão.

Recém-casada, sem trabalho e com a relação familiar abalada, resolvi entender o que havia de errado comigo ou por que eu agia da forma como agia. Eu precisava ser rápida, pois a cada lugar ou pessoa com quem eu tinha contato, um rastro de dor e irritação era deixado. Minha labilidade emocional era tanta que era como se eu vivesse as quatro estações do ano em um dia só.

Mais do que ansiar uma resposta para os meus conflitos emocionais, eu buscava encontrar uma forma de aprender a lidar com eles. Para isso, seria preciso nomear o que eu estava sentindo ou o que se passava na minha personalidade, no meu jeito de ser.

O diagnóstico veio depois de muitas idas e vindas a diferentes profissionais de saúde mental, tendo o último diagnosticado o “inferno na terra” que eu vivia como transtorno de personalidade emocionalmente instável (ou transtorno de personalidade borderline). Como parte do tratamento, a psicoterapia foi indicada. Na medida em que eu seguia com as sessões, perguntas vinham à minha mente, como: poderia a psicoterapia modificar o funcionamento cerebral de uma pessoa com transtorno psiquiátrico?

E mais: como a psicoterapia poderia provocar uma mudança nos mecanismos neurais cerebrais, bem como reconstruir um cérebro que apresenta características de transtornos mentais?

Essas inquietações também foram objeto de estudo de dois pesquisadores e psiquiatras indianos, que tiveram o trabalho publicado no Indian Journal of Psychiatry, sob a seguinte hipótese: “Se os transtornos psiquiátricos podem desconstruir o cérebro, poderia a psicoterapia ajudar a reconstruí-lo novamente?”

O artigo inicia relatando que, a priori, a neurologia não dialogava com a psicologia, mas com o advento das neurociências, ambas passaram a convergir e a estudar as relações entre cérebro e comportamento humano. Além disso, descobriu-se que o desenvolvimento cerebral é fruto da união entre genética e experiências interpessoais e de aprendizagem, tendo sua arquitetura neural moldada através de interações com o ambiente. Assim, para cada experiência rica em frequência e intensidade, novas redes neurais são feitas e incorporadas ao desenvolvimento cerebral, impactando não só a cognição, mas também o comportamento humano. É por esse motivo que a experiência e a forma como o indivíduo interage com o ambiente são tão importantes, pois é ela que molda o cérebro e o comportamento.

Quem também nos lança luz sobre a relação das neurociências com a psicoterapia é Eric Kandel, neurocientista austríaco, ganhador do Prêmio Nobel de Fisiologia/Medicina no ano 2000. Segundo o pesquisador, todo processo que envolve mente e aspectos psicológicos de um indivíduo deriva de bases neurais. De acordo com Kandel, a psicoterapia é capaz de alterar a expressão gênica de um indivíduo justamente por promover mudanças de comportamento a longo prazo.

No cérebro humano, os processos mentais se manifestam através de redes neurais que organizam funções como memória, cognição, sensações, empatia, aprendizagem e emoções. No entanto, essas redes neurais podem sofrer alterações ou desregulações devido ao forte estresse ou trauma que a pessoa venha a sofrer, o que culminaria no desenvolvimento de algum tipo de transtorno mental. É nesse ponto que entra a contribuição da psicoterapia, que busca alterar ou modificar essas redes neurais através da formação de novas conexões em áreas envolvidas em novas aprendizagens, como o hipocampo (gerenciamento de memórias) e a amígdala cerebral (responsável pelas respostas emocionais). Essas duas áreas têm um potencial muito grande de regeneração por possuírem uma alta capacidade plástica.

Em vista disso, pode-se constatar que os transtornos psiquiátricos são capazes de “desconstruir o cérebro”, provocando mudanças importantes em suas estruturas neurais. É o que aponta um artigo publicado em um editorial de neurociências, que ressalta que alguns transtornos neuropsiquiátricos, como autismo, transtorno do déficit de atenção/hiperatividade e esquizofrenia, apresentam de fato alterações cerebrais bastante significativas se comparadas com pessoas sem essas condições. Essas variações cerebrais podem mudar de pessoa para pessoa, uma vez que a neurobiologia subjacente a esses distúrbios pode diferir entre os pacientes.

Ainda em entrevista para o editorial, a pesquisadora da Universidade de Yale, Ashlea Segal, ressalta que, com relação a estratégias de intervenção, “focar em circuitos, em vez de regiões específicas do cérebro, pode ser uma maneira mais eficaz de desenvolver tratamentos”.

Fato é que estudos já mostram que tanto a medicação quanto a psicoterapia mudam a biologia do cérebro. No entanto, é bom ressaltar que a causa para o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos não está atrelada somente a alterações biológicas do sistema nervoso, mas também a fatores externos, como eventos traumatizantes, estresse, perdas, maus-tratos, violência familiar, etc.

Um outro dilema enfrentado por pesquisadores é se a medicação antidepressiva e a psicoterapia alteram de forma semelhante o cérebro. Essa discussão levou a um estudo publicado na revista Psyche, em que um grupo de cientistas da Universidade de Cambridge, Unidade de Cognição e Ciências do Cérebro, reuniu dados de dois grupos distintos: um que havia se tratado com antidepressivos e outro que tinha recebido somente terapia cognitiva. Os resultados mostraram que o tratamento com antidepressivos provocou alterações na amígdala cerebral (implicada no processamento e na regulação das emoções), enquanto a intervenção psicoterápica mudou a ativação cerebral do córtex pré-frontal medial (envolvido na tomada de decisão, controle de impulsos e raciocínio social). Sendo assim, podemos constatar que tanto a medicação quanto a psicoterapia apresentam papel crucial na mudança dos circuitos do cérebro de pessoas com transtornos mentais. Neste artigo, vamos explorar com mais detalhes como a psicoterapia age no cérebro humano e quais alterações neurais estão envolvidas nesse processo.

Como os circuitos neurais do cérebro são impactados pela psicoterapia?

Adepta da psicoterapia há anos, posso constatar na minha prática diária as mudanças proporcionadas pela intervenção terapêutica no regulamento das emoções, controle de impulsos, autoconhecimento e relacionamento interpessoal. Essas são mudanças que quase todo mundo sabe que a psicoterapia é capaz de fazer no comportamento humano. O que pouco se sabe é o que acontece no cérebro quando passamos por um tratamento psicológico, em especial se há alterações no funcionamento cerebral.

Atualmente, por meio de exames de neuroimagem, é possível detectar os efeitos nos circuitos neurais após uma intervenção psicoterápica. Estudos publicados em um periódico de psicologia (PePsic) ressaltam que intervenções psicoterápicas não só acarretam modificações nas crenças, pensamentos e comportamentos de um indivíduo, como também mudanças em seu funcionamento neural.

Dentre os métodos utilizados para tratamento de neuroimagem estão a tomografia por emissão de pósitrons (PET) e a ressonância magnética funcional (fMRI). O objetivo é captar imagens encefálicas antes e depois do tratamento, utilizando como abordagem psicoterapêutica a terapia cognitivo-comportamental (TCC).

A terapia cognitivo-comportamental tem se mostrado bastante eficaz no tratamento de transtornos de ansiedade e depressão, tendo como proposta terapêutica reestruturar pensamentos e comportamentos disfuncionais, produzindo assim melhorias na vida do sujeito. Na prática, a TCC faz uso da reestruturação cognitiva, uma proposta que estimula o paciente a refletir sobre seus próprios pensamentos, levando-o a questionar se sua forma de pensar está de acordo com a realidade.

Segundo o periódico, foi observado, mediante neuroimagem, que a TCC provoca mudanças significativas nos circuitos neurais responsáveis pelo medo, bem como alterações no fluxo sanguíneo cerebral.

Também foi possível constatar as alterações neurais de 16 pacientes que passaram por situações traumáticas e receberam tratamento com a terapia cognitivo-comportamental. Após quinze sessões de terapia, os indivíduos apresentaram aumento no córtex pré-frontal esquerdo (responsável por estabelecer sentimentos positivos), no hipocampo esquerdo (associado à memória episódica verbal) e no lobo parietal (envolvido na integração e interpretação da informação sensorial).

Um artigo publicado na American Psychiatric Association relata os efeitos da TCC no transtorno de pânico. Com o auxílio da ressonância magnética funcional (fMRI), foi possível verificar as alterações cerebrais de pacientes que passaram por quatro sessões de psicoterapia. Através do exame de neuroimagem, foi possível observar que a terapia cognitivo-comportamental conseguiu normalizar os circuitos neurais envolvidos na memória do medo, na regulação das emoções e na identificação de ameaças.

Em uma outra pesquisa, oito pessoas com estresse pós-traumático (TEPT) foram submetidas à psicoterapia durante oito sessões semanais. Após esse período, foi possível constatar, mediante ressonância magnética, uma redução na atividade da amígdala em reações de medo. Assim, constata-se que a reestruturação cognitiva (técnica da TCC) tem se mostrado bastante eficaz na alteração dos circuitos neurais associados a respostas ao medo (amígdala cerebral), bem como na área associada à regulação das emoções, tomada de decisões e controle de impulsos, como o córtex pré-frontal ventromedial.

Através dos exames de neuroimagem, fica evidente que a TCC tem impactado o funcionamento cerebral de pacientes com transtornos mentais, criando novas conexões e reconstruindo um cérebro impactado por alterações cognitivas e comportamentais. A terapia cognitivo-comportamental, por meio da técnica de reestruturação cognitiva, propiciou mudanças importantes tanto no padrão cognitivo do paciente quanto na sintomatologia clínica.

Essas informações são importantes para evidenciar as grandes contribuições das neurociências no desenvolvimento de neuroimagens que permitem conhecer e analisar áreas cerebrais impactadas por transtornos. Além disso, conhecendo melhor como o cérebro funciona, é possível trabalhar em abordagens terapêuticas cada vez mais condizentes com as questões emocionais apresentadas pelos pacientes. Afinal de contas, a psicoterapia é capaz de modificar o cérebro humano e promover mudanças significativas na regulação emocional e na cognição de pessoas com transtornos psiquiátricos.