O poeta brasileiro Emmanuel Santiago é excelente conhecedor de poesia. Doutor em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), com estudo sobre o erotismo na poesia parnasiana, fez o mestrado na mesma instituição. Já os estudos em nível de graduação foram realizados por Emmanuel na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

Além de ter publicado artigos em periódicos científicos, lançou o livro de crítica literária A narração dificultosa: “Cara-de-Bronze” de Guimarães Rosa, em 2014. Publicou ainda os volumes de versos Pavão bizarro, pela editora Patuá, em 2014, A ave Lúcifer, pela mesma editora, em 2020, assim como A renga do corvo, pela editora Bestiário, em 2023.

Ao lermos o segundo livro de poemas de Emmanuel Santiago, A ave Lúcifer, percebemos que livro seduz o leitor por meio do ritmo preciso dos versos, enredando-o na beleza das soluções formais, conseguidas a partir do domínio preciso da técnica. Por isso, é difícil abandonar a leitura, apesar das questões complexas tratadas pelo eu lírico que, camarada de Baudelaire, reconhece como musa a figura dúbia da mulher altiva e decadente. Com coragem para realizar o escrutínio dos dissabores que atingem o ser humano, o eu lírico é capaz de encená-los de forma poética. O eu, portanto, mistura-se às dores do mundo, numa denúncia que parece um tanto desencantada, lançando mão, para tanto, do erotismo e do riso difícil.

Pensando no livro de 2020 e em questões que cercam a poesia, conversei com Emmanuel, por meio de uma chamada de vídeo, fazendo a ele algumas perguntas.

Gostaria que você falasse um pouco dos poemas narrativos que estão no seu livro. Como você vê o lirismo, quando inserido no poema narrativo? Em que medida essas coisas se misturam?

Eu queria explorar essa questão do narrativo no A ave lúcifer. No meu primeiro livro, Pavão bizarro, não tem. Ele é um livro mais lírico mesmo, propriamente dito, embora fuja muito do lirismo. Tem uma influência muito cabralina, nesse primeiro livro. Então eu queria explorar outras possibilidades, inclusive formais, de gênero. Então foi uma coisa que foi surgindo meio que naturalmente. E também uma outra questão que acabou me levando pro narrativo era a questão da extensão.

Eu queria me testar em poemas longos. Eu acho que é mais fácil escrever um poema longo se você tem uma narrativa. Fazer a questão do episódio... Então você tem como controlar a extensão. Então era isso. Eu queria também testar novas possibilidades poéticas e queria também me testar em poemas mais longos, porque no Pavão bizarro eu trabalho muito com alguns poemas muito sintéticos, uns poeminhas, uns poemetos. Também tentei fazer esse esforço. Então é isso. E agora a minha preocupação pro meu quinto livro, porque o meu quarto livro vai ser um livro de haicais, mas para o meu quinto livro, é escrever um poema mais longo, mas que seja lírico.

Eu acho que aí é uma questão muito mais de graduação da linguagem mesmo, não é? Então, você conta uma história, mas trazendo algumas figuras de linguagem. A questão das rimas ajuda bastante, não é? [Gosto] da rima toante, que é inclusive um recurso do romance ibérico, de rimas que surpreendam, que não sejam óbvias. Então é um pouco isso. Eu quero que de alguma forma a linguagem tenha algum frescor e que em alguns momentos [possa] espantar. O problema de trabalhar com o poema muito longo... O Octavio Paz tem um texto em que ele fala sobre o poema longo... Se o poema longo for muito intenso, cheio de momentos líricos, então nada é lírico. O próprio Poe fala isso na “Filosofia da composição”. Então você tem que dosar também: poemas de maior intensidade lírica, de uma linguagem poética mais... de uma maior voltagem poética, e outros momentos em que você vai fazer o negócio do prosaico mesmo.

O Eliot também fala sobre isso. O Eliot, o Octavio Paz e o Poe. Você tem que ir dosando: momentos muito mais intensos e momentos menos intensos. É uma coisa que eu fui percebendo na prática mesmo.

É muito difícil mesmo fazer um poema lírico, fundamentalmente lírico, e longo. É difícil manter o lirismo.

E eu tenho uma influência grande do Eliot. Eu já tentei fazer alguns poemas mais longos de uma inspiração nesses poemas do Eliot que eu chamo de poemas peripatéticos, em que parece que alguém está se deslocando no espaço, não é? O The waste land do Eliot. Então eu também já tinha umas tentativas de fazer isso no meu primeiro livro. E aí eu estendo, não é? Eu acho que talvez justamente [o poema] “A casa de Carmo de Minas” é esse poema, só que, em vez de pegar um espaço mais aberto, ir dentro do... [ele se] concentra num espaço mais fechado. Tem um amigo meu que se chama João Filho. Ele é um poeta muito bom, baiano de Salvador. E ele fala que tem esses poemas em que parece que eu pego na mão do leitor e vou levando ele pra aquele espaço. Isso é algo que aprendi com o Eliot. Então ele vai como se fosse uma câmera mesmo, não é? Um plano sequência que vai revelando aspectos de determinado espaço. Então eu penso um pouco nisso. E aí o poema narrativo é uma forma de fazer isso, não é? De estender o poema.

Sim. E você se deu muito bem nas suas tentativas, obviamente, não é?

Obrigado, muito obrigado.