Muito temos falado nas mídias sobre as novas tecnologias, desde as várias Inteligências Artificiais geradoras de conteúdos, o Machine Learning (Aprendizado de Máquina) aos processos de automação, e como eles têm se infiltrado em diversas esferas de nossa sociedade. Tais acontecimentos rompem o modus operandi e acabam trazendo consigo mudanças significativas em diferentes aspectos do nosso cotidiano. Cedo ou tarde seremos surpreendidos por elas — seja na forma como nos comunicamos, seja como realizamos tarefas cotidianas ou como lidamos com o acesso aos mais diferentes conhecimentos.
Os melhores exemplos estão nos lugares ocupados por profissionais, como professores, e sua relação com seus leitores e alunos. As inovações dessas áreas citadas têm, de fato, moldado e redefinido a forma como interagimos com os nossos arredores e com nossos conhecimentos de maneiras únicas. Tudo está ficando cada vez mais conectado, as informações mais abundantes e acessíveis.
Diante dessa realidade em constante transformação, se torna mais importante refletirmos sobre o impacto das tecnologias no acesso ao conhecimento, principalmente. Por isso pensei em trazer esse tema ao longo deste artigo, onde exploraremos algumas reflexões sobre as ferramentas disruptivas e como elas poderão se relacionar com o desenvolvimento humano.
Além disso, abordarei a importância de buscarmos por um equilíbrio entre o uso das tecnologias e a preservação das habilidades humanas, focados no processo de ensino-aprendizagem mais dinâmico e crítico. A partir dessas reflexões, convido você a também pensar mais um pouco sobre como essas transformações estão impactando nossa forma de apreender e propagar conhecimentos. Eis algumas questões:
- Estamos preparados para enfrentar os desafios e aproveitar as vantagens trazidas pelas novas tecnologias?
- Como lidar com os possíveis aspectos negativos dessa transformação?
Como veremos, a resposta a essas perguntas está em nossos caminhos, cabendo a nós encontrarmos soluções para uma utilização consciente, criativa e proveitosa das tecnologias em prol de nosso desenvolvimento. Vamos ao texto e tenha uma boa leitura.
O efeito-catraca e os processos de evolução
Como as novas ferramentas e recursos estão afetando a maneira como ensinamos e aprendemos, buscamos informações e nos desenvolvemos? Será que estamos preparados para viver uma revolução tecnológica constante? Ainda deve ser cedo para respostas, talvez, mas é importante ressaltar que sabemos, já, que tais mudanças nem sempre são positivas ou maléficas por si só. Um dos conceitos que merece nossa atenção nesse contexto e que pode nos ajudar a ter ideia da real dimensão desses processos é o chamado efeito-catraca.
Tomei o termo emprestado de Tomasello, em seu livro Origens Culturais da Aquisição do Conhecimento Humano, que tive o prazer de conhecer em uma aula de neurolinguística, enquanto frequentava a faculdade de Letras. Na obra, o conceito aborda a transmissão cumulativa do conhecimento humano ao longo das gerações, com cada nova geração modificando e aprimorando as criações passadas para melhor uso e proveito. Em resumo, o efeito-catraca é quando uma dada ferramenta (ou processo), para existir, depende de toda sua trajetória — antes de um simples martelo, devemos lembrar que tivemos outras ferramentas, mais primitivas, com pedras atadas a pedaços de galhos, usadas por inúmeras gerações, mas posteriormente abandonadas por uma melhor versão, mais produtiva e eficiente.
É necessário percorrer caminhos para chegar a um destino — e isso vale para o conhecimento e suas ferramentas, também.
Ao aplicarmos essa ideia às novas tecnologias, percebemos que o acesso ao conhecimento também está passando por uma "catracalização" de várias formas. Inicialmente, era transmitido principalmente por livros, aulas presenciais e cursos específicos — que por sua vez começaram na tradição oral, é claro. Obter informações atualizadas e especializadas demandava um esforço considerável. No entanto, a forma como adquirimos conhecimento está se transformando graças à Internet, às plataformas digitais e aos avanços tecnológicos mais recentes.
Atualmente, com apenas alguns cliques, podemos encontrar uma infinidade de conteúdos online, desde tutoriais até aulas completas de universidades renomadas. Tal facilidade de acesso ao conhecimento é, sem dúvida, uma das grandes vantagens dessas novas tecnologias. Não importa onde estejamos, podemos aprender sobre qualquer assunto, atualizar-nos e aprimorar nossas habilidades. Essa democratização do conhecimento permite que mais pessoas tenham a oportunidade de aprender e se desenvolver.
Mesmo com algumas vantagens, precisamos, também, reconhecer que nem todos têm o mesmo acesso às novas ferramentas e à Internet. Ainda existem barreiras socioeconômicas e geográficas que limitam o alcance dessas oportunidades. Nem todas as regiões dispõem de uma conexão estável e de qualidade, e nem todas as pessoas têm recursos para investir em dispositivos tecnológicos — o que amplia ainda mais as fronteiras.
Além disso, é preciso considerar que a quantidade de dados brutos e informações disponíveis na internet é avassaladora. Nem tudo o que está online é de qualidade, confiável ou relevante. É necessário saber filtrar e selecionar fontes confiáveis de informação e ter a capacidade de discernir o que é útil ou não para o nosso aprendizado.
Diante dos contextos apresentados, fica claro que o impacto, principalmente das IAs, nesse cenário está longe de ser uma solução simples — por exemplo, como evitar que os nossos alunos usem as ferramentas gerativas de conteúdos como uma forma simples de burlar os sistemas avaliativos contemporâneos? A GPT-4 já foi melhor que a maioria dos alunos em vários testes. Muitas coisas precisarão de uma atualização profunda para os novos tempos.
Assim, é fundamental garantir e promover a educação digital, ensinando às pessoas a discernir e a utilizar informações de forma crítica e responsável. Este, certamente, será o nosso desafio para os próximos anos.
Catracalização e disruptividade
De outra forma, no que diz respeito à "catracalização" das ferramentas de produção de conhecimento, é importante ressaltar que as tecnologias disruptivas são propensas a acelerar ainda mais o processo. Conhecimentos e descobertas estão sendo gerados em ritmo acelerado — e é fundamental que saibamos adaptar nossas habilidades e conhecimentos para acompanhar as mudanças que já estão sendo observadas.
Compreender um aprendizado contínuo e atualização constante são essenciais para se manter atualizado num mundo em constante transformação, como dizem. Precisamos, assim, encontrar um equilíbrio entre a utilização das tecnologias e a preservação das habilidades humanas — ou mesmo transcendê-las.
O objetivo dessa aproximação dinâmica e irrestrita, que fique claro aqui, não é o de competir com as tecnologias ou coibir qualquer ação de vetá-las, mas de compreendermos que utilizá-las como ferramentas sérias capazes de potencializar nossas capacidades de aprender e de ensinar ou não — o mesmo acontece para o mercado, de maneira geral, na otimização de seus processos. Mas isso está longe de ser isento de problemas.
Olhando de maneira superficial, está tudo bem quando um professor de língua estrangeira proíbe seus alunos de usarem as ferramentas geradoras de texto para fazer as lições. Talvez essa seja longe de ser a melhor solução, mas também não é a pior delas. Isso porque se a regra for imposta, nada vai garantir que o aluno não possa trapacear (e não penso que o professor deva estar preocupado com isso). O que vamos precisar fazer daqui para frente é trabalhar a comunicação e a interpretação de maneira mais crítica nas salas de aula — pensar exercícios e práticas que, mesmo com acesso às ferramentas, o aluno vai precisar usar o próprio raciocínio para resolver o problema.
Sobre o uso consciente das novas tecnologias
Diante desses desafios, é necessário desenvolver propostas e soluções para um uso que podemos considerar mais consciente das tecnologias.
Penso ser fundamental que haja ênfase na educação digital e na capacitação das pessoas para esses novos recursos. Isso inclui aulas sobre o uso seguro da Internet, habilidades de pesquisa e pensamento crítico para discernir informações confiáveis, além do desenvolvimento de habilidades digitais ainda mais básicas para tornar o uso eficiente. A educação digital deverá ser uma prioridade em todas as etapas da educação básica formal e também na educação continuada para adultos.
No mundo dominado pelas máquinas, será necessário estimular e valorizar as habilidades humanas únicas, como as capacidades de engenharia e de criação, o julgamento e a aplicação do pensamento científico, almejando a geração constante de novas soluções. Essas habilidades não podem ser substituídas pelas tecnologias, e provavelmente não o serão, ainda por algum tempo.
Este é um ponto de vista em que as novas tecnologias de hoje se tornarão comuns e fundamentais para superar os desafios mais complexos que as nossas sociedades enfrentam atualmente.
Políticas públicas e as responsabilidades privadas
As políticas públicas claramente desempenham um papel fundamental na garantia de acesso igualitário às tecnologias e na promoção do desenvolvimento humano. É importante que os governos, no papel de Estado, adotem medidas para combater a exclusão digital e promovam políticas educacionais que permitam a todos aproveitarem os benefícios dessas novas tecnologias.
Os investimentos privados também têm uma responsabilidade social nesse processo, precisando garantir a acessibilidade de seus produtos e de seus serviços — buscando sempre contribuir para o desenvolvimento da sociedade como um todo e dar continuidade ao ciclo. Ou seja, é preciso trabalhar em direção a um uso consciente, criativo e proveitoso das novas tecnologias, garantindo o máximo de benefícios para o desenvolvimento humano também nos empreendimentos contemporâneos. As alternativas são muitas e precisamos nos destacar diante de um mercado concorrido e conectado.
Em suma, caberá a todos nós, indivíduos, seja no papel de profissionais e empresas, seja no papel de Estado, encontrar as melhores soluções entre as que continuamente aparecem e aproveitar as vantagens produtivas trazidas pelas ferramentas que já temos acesso. Pode ser um caminho desafiador, mas deve ser capaz de trazer oportunidades sem precedentes no longo prazo, se realizado de forma responsável e, principalmente, inclusiva para todos.