Aos olhos de muitos, a educação é vista com cautela diante dos acontecimentos históricos e sociais. Para refletir, a educação foi mote, foi pauta, mas, falando sério, não foi prioridade no decorrer dos anos na história do país. Apontamos que a falta de recurso não é desculpa para que a educação não aconteça, porém, a sinergia entre professor, aluno e a comunidade provocam uma série de aprendizagem. Diz a ativista paquistanesa Malala Yousafzai, “Uma criança, um professor, um livro, uma caneta pode mudar o mundo.” Para tanto, precisamos compreender que investimentos são necessários na melhoria da política educacional. Então, o que levou a construção de muralhas na educação brasileira? Talvez, a educação sempre foi vista como disputa de poder. Vejamos alguns distintos momentos históricos no jogo de interesses políticos que deixou de lado, alguns sentimentos comunitários referentes à importância dada na educação.
Os primeiros responsáveis pela educação no Brasil foram os jesuítas, que trouxeram sua conduta moral religiosa, seus costumes e seus métodos pedagógicos de catequizar. Foram duzentos e dez anos de missão no Brasil, de 1549 a 1759 nas aldeias indígenas, mudando o modo de viver dos povos originários. Mas, quando Marquês de Pombal expulsou os Jesuítas do país, o período seguinte foi marcado pelas aulas régias e pelo subsídio literário. Pois bem, a reforma Pombalina foi um importante marco na educação brasileira, mas também foi impregnada de interesses da coroa portuguesa pelo capital na etapa mercantil para a industrial, reforçando ainda mais o pacto colonial de um país escravocrata.
“...Portugal logo percebeu que a educação no Brasil estava estagnada e era preciso oferecer uma solução. Somente quando a Real Mesa Censória, criada em 1767 (inicialmente com atribuição para examinar livros e papéis já introduzidos e por introduzir em Portugal), alguns anos depois, passa a assumir a incumbência da administração e direção dos estudos das escolas menores de Portugal e suas colônias, é que as reformas na instrução ganham meios de implementação.”1
Daí, já ocorre um descompasso entre as necessidades da sociedade e o atual sistema de ensino. Na chegada da família Real em 1808 ao Brasil, surgiram na educação, academias militares, Escola de Direito e Medicina, Biblioteca Real, Jardim Botânico, a imprensa Régia, entre outros interesses da corte. Com o aparecimento tardio da primeira Universidade Brasileira em 1934 no Estado de São Paulo, ocorreu uma melhora insignificante na educação que mais uma vez privilegiava as elites. Seriam então, as parcerias entre a educação e as elites uma das grandes muralhas da educação?
Vale salientar que vários programas serviram de parcerias para apaziguar as conveniências do lucro. É o caso dos Programas: Adote uma Escola no governo Orestes Quércia entre 1987 e 1990 e o Acorda Brasil nos anos noventa entre empresas e escolas. Há de se considerar que no Brasil, a questão social é elevada ao primeiro plano, o que favorece ao Estado pensar em primeiro lugar políticas públicas de inclusão, acesso, moradia, renda, saúde entre outras questões sociais. Mesmo sendo um problema sério, a questão social, não poderia deixar de lado a educação para privilegiar novos orçamentos em relação aos serviços prestados à sociedade.
A desregulamentação financeira, a quebra de barreiras internacionais e a revolução tecnológica - globalização - afetaram o desenvolvimento educacional do país. Na verdade ocorreu um descompasso entre as necessidades da nova sociedade com o sistema de ensino. Quem descobriu esse descompasso foi o grande educador Paulo Freire que trouxe autonomia do conhecimento local para as políticas educacionais. Numa concepção libertadora por volta de 1950 colocava o oprimido na condição de cidadão. Paulo Freire inaugurava uma nova concepção na Educação diante do analfabetismo conseguindo diminuir os efeitos da digressão educacional pela urbanização das cidades brasileiras.
Mas, foi na era do presidente Getúlio Vargas, por volta de 1932, que surgiu o Manifesto dos Pioneiros. Um documento escrito por vinte seis educadores com o mote para reconstrução educacional do Brasil. Mesmo sendo um documento feito por uma elite de educadores, o movimento da Escola Nova não alcançou os sentimentos comunitários. O país passava pela transição agrária para um Brasil industrial entre 1937 a 1945.
Paul Singer (1995) afirma que “A educação democrática em geral e a escola como processo de formação cidadã – produtivista – e a educação escolar, preparam o indivíduo para o ingresso da melhor forma possível na divisão social do trabalho.” Ou seja, a Reforma do Estado trouxe uma formação para a produção e divisão social do trabalho. Mais uma vez, o ensino ficou pautado pelo funcionamento da economia. Fernando Azevedo, um dos colaboradores do Manifesto dos Pioneiros, afirmava que, “O ensino deve estar acima dos problemas econômicos nos planos de reconstrução do país”. Também dizia que “...é preciso fazer homens, antes de fazer instrumento de produção.”
Cabe salientar que o processo de urbanização e a expansão cafeeira trouxeram para os centros das cidades a pedagogia da existência pela conveniência do lucro. Segundo a pesquisadora Maria Encarnação Beltrão Sposito, “A cidade não é um lugar de produção, é um lugar de dominação.” Talvez as cidades sejam um espaço de fortalecimento da força política.
Para Paul Singer, “A cidade é o modo de organização espacial que permite à classe dominante maximizar a transformação do excedente alimentar...” Ou seja, um espaço de dominação política, na sustentação do hedonismo das elites para manutenção do poder político. Lugar de concentração da força de trabalho na produção em larga escala que alimenta a gestão pela divisão social do trabalho e pela divisão territorial para o desenvolvimento do modo de produção.
As cidades reúnem qualitativamente e quantitativamente condições para o desempenho do capitalismo. Com isso, o Estado se desorganiza e passa a especular vendendo terrenos públicos para pagamento de dívida. O que ocorre é uma falta de controle sobre o espaço construído e numa ocupação densa e desregulamentada, os problemas urbanos aumentam contribuindo para um desnivelamento entre as políticas urbanas. Para isso, o livro de Leonardo Benevolo intitulado - História da Cidade - contempla as condições de vida nas cidades, como falta de saneamento, lixo, ocupação desordenada, que ele chama de cidade liberal que são os resultados de iniciativas públicas e particulares não reguladas e não coordenadas. Daí, temos a perda do controle, onde um Estado idílico perante a construção de projetos educacionais ergue muralhas na educação.
Desde a resistência religiosa, dominação da elite, padronização de um modelo educacional, falta de compromisso, descontrole político, falta de investimentos e principalmente a falta de um projeto de sentimentos comunitários, resultou na digressão educacional pelo processo de urbanização nas cidades. Hoje, muita coisa ainda deve ser feita. Como diz Humberto Maturana “Todo fazer é um conhecer e todo conhecer é um fazer.” Segundo Saviani, “...é necessário abalar as certezas, desautorizar o senso comum.”
Nesse ambiente, falo da educação, é preciso entender que é educando que se educa as novas gerações. Para tanto, necessitamos de um novo propósito político que derrube as muralhas na educação. Nos afastamos da natureza, nos afastamos dos afetos. A educação só se consolida no fazer comunitário. Por isso, é necessário um novo paradigma na educação, num refazer dos livros didáticos para cada cidade ou comunidade, buscar os sentimentos da educação unindo projetos de anseios comunitários. Pode até ser um sonho, mas tem gente sonhando com isso faz tempo. É o caso do professor José Pacheco que vai na contra mão do Estado para mostrar que a educação é um sentimento e não apenas uma pauta política. Aponta o educador Antonio Nóvoa no livro de José Pacheco – Aprender em Comunidade (2014) - que “Ao redigir estas 25 cartas, escritas no Brasil e para figuras que marcaram este país, José Pacheco tem uma intenção clara – recordar aos educadores do presente que não podem ignorar o patrimônio de ideias e experiências do passado.
Desse modo, inscreve as suas próprias propostas educativas no tempo longo da História, evitando cair em modas ou novidades sempre inúteis, sempre passageiras. Uma pergunta atravessa todas as missivas: por que é que falhamos? Por que razão não conseguimos pôr em prática os nossos ideais? A pergunta é dura, inquieta-nos, desassossega-nos, mas tem de ser feita.”2
Assim, não queremos uma digressão, queremos derrubar os muros que impedem os sentimentos comunitários na educação. José Pacheco afirma que “O tempo de aprender é o tempo de viver, às 24 horas de cada dia, nos 365 dias (ou 366) de cada ano.” Pois bem, percurso também é vida. A ida à Escola, é um aprendizado tão rico quanto dentro da escola. Nas aldeias indígenas não há muros. Necessitamos entender que a educação não é só um ministério, não dura quatro anos, nem pode ficar abaixo da tecnologia. A educação é a nossa maneira de conviver.
Há de se considerar que há uma “pobreza de práticas” educacionais fruto do atropelamento de construção de políticas educacionais confundidas com dominação e lucro. O grande lucro que existe na educação, consiste na construção de seres humanos, mais humanos, com solidariedade, com autonomia e com respeito. Portanto, se educação é prioridade, por que não está na frente de todos os projetos?
Precisamos extinguir as muralhas da educação. Separamos salas, separamos tanto, que nos esquecemos de fortalecer a relação com a família e a comunidade. Necessitamos que a entrada da escola seja pela biblioteca, onde more também a poesia e os espaços de debates, como diz o professor António Nóvoa.
Lauro de Oliveira Lima ressalta: “A expressão escola de comunidade procura significar o desenquistamento isolacionista da escola tradicional. Escola, no futuro, será um centro comunitário […] A escola não se reduzirá a um lugar fixo murado. Então, cabe aos futuros governantes, aos futuros professores, a criação de uma aura comunitária na educação onde as convivialidades estejam presentes em todos os projetos políticos e pedagógicos. Devemos minimizar os efeitos das muralhas na educação pela construção social cotidiana revelando um novo currículo. Um currículo voltado para nossas virtudes e convivialidades, a partir de ações que beneficiem o bem de todos entre a dinâmica do mundo. É o que afirma o antropólogo Tim Ingold, que devemos reestabelecer o equilíbrio entre o conhecimento e a sabedoria.
“O conhecimento é como um castelo que construímos ao nosso redor. Ele nos defende dos ataques do mundo para além de seus muros. No entanto, quanto mais forte é o castelo e mais altos os muros, menos vemos o que está além e menos atenção prestamos nele. Ser sábio é derrubar os muros, derrubar nossas defesas e nos abrir para o mundo em que estamos. É uma espécie de desarmamento. É claro, há um risco nisso: deixa-nos vulneráveis e inseguros. Não estou sugerindo que possamos abrir mão totalmente do conhecimento. Trata-se de reestabelecer o equilíbrio entre o conhecimento e a sabedoria. Hoje, a balança se inclinou desastrosamente para o conhecimento, à custa da sabedoria.”3
Assim, poderemos criar uma aura comunitária para uma digna construção social dos seres humanos no planeta Terra.
Referências
1 Marquês de Pombal e a Reforma Educacional Brasileira de Ana Paula Seco e Tania Conceição Iglesias do Amaral.
2 Pacheco, José. Aprender em comunidade - 1° ed. São Paulo : Edições SM, 2014.
3 Entrevista com Tim Ingold.