A Galeria Bergamin Gomide, por ocasião da mostra Bruno Munari, sempre una nuova cosa [Bruno Munari, sempre uma coisa nova], apresenta um notável grupo de obras do artista italiano considerado uma das figuras multifacetadas da arte do século XX. O título, derivado do famoso livro Da cosa nasce cosa [Da coisa nasce coisa], sugere a dimensão de sua obra e da pesquisa que desenvolveu desde o início da década de 20 do século XX até o término da sua carreira, mais de 70 anos depois, em 1998.
Munari produziu, durante sua longa carreira, uma ideia verdadeira e própria de realidade alternativa, pertencendo ao pequeno grupo de figuras essenciais da arte do século passado. Foi um importante artista, designer e pedagogo, dialogando constantemente com diversas técnicas e linguagens artísticas. Munari é uma das raras figuras que conhecemos na história da produção artística recente que se pode definir como “leonardesca”. Extremamente irônico consigo mesmo, sempre se preservou do sentimento de pertencimento a qualquer grupo ou movimento artístico: Tive muito sucesso, apesar da indiferença geral em relação a mim, dizia de si mesmo.
Geometria e refinamento de espírito, fantasia e método, rigor e ironia, são palavras-chaves para entender o trabalho e as suas obras, ou, como diria ele, para entrar em contato com eles, pois basta começar a explicar uma obra para que ela deixe de existir. Bayer, László Moholy-Nagy, Max Bill, Theo van Doesburg e Francis Picabia foram para ele referências artísticas, assim como Filippo Tommaso Marinetti e um dos mais importantes visionários e experimentais entre os artistas das primeiras décadas do século passado: Prampolini. Em 1942, publica o livro Le macchine inutili [As máquinas inúteis] – uma década após sua primeira escultura homônima – inspirado em uma estética da máquina muito atual à época. Dadaísmo e Surrealismo coexistem em sua obra, evidenciando a constante atitude antipositivista que o levava a sintetizar a relação entre conceito, forma e estilo, indo além das problemáticas de matriz vanguardista. Veríamos surgir, desde então, obras como os Negativi positivi [Negativos positivos], nas quais o artista condensa uma busca pela pureza visual no sentido de dar às cores uma vitalidade única e intrínseca, e as Curve di Peano [Curvas de Peano], germinações infinitesimais de formas contidas e ocultas nos átomos dos elementos. Com essas obras, Munari demonstra ter o conhecimento de um livro fundamental para muitos artistas do século XX: On Growth and Form [Sobre o crescimento e as formas], de D’Arcy Thompson, publicado em 1917 e amplamente citado em Fantasia.
Um momento crucial ocorreu em 1962, quando, para a Olivetti Munari, idealizou e criou a mostra Arte programmata. Arte cinetica. Opere moltiplicate. Opera Aperta. [Arte programada. Arte cinética. Obras multiplicadas. Obra aberta.] exibida na Galeria Vittorio Emanuele. Arte programmata é uma das invenções linguísticas de Bruno Munari, que define assim as obras em que o movimento é um elemento constitutivo intencional, não acidental. A obra de arte transformava-se, assim, num sujeito/objeto visual criado para produzir uma experiência gestáltica específica. Portanto, a ilegibilidade de uma única imagem estática predominante e a interação mútua dos elementos em campo passam a ser aspectos fundamentais da sua obra. O tema da diversidade-mutação volta, ainda, em Presenza degli antenati [Presença dos antepassados] e em Guardiamoci negli occhi [Olhemo-nos nos olhos], que retomam por outra via o Libro illeggibile [Livro ilegível]: é a constante mutabilidade dentro da persistência de uma forma como o rosto, ou a descendência humana; a continuidade-descontinuidade lado a lado na fenomenologia do real.
Nessa altura surgem os escritos ilegíveis de populações antigas e as distorções e interpretações de objetos de uso comum, como garfos que se transformam em alfabeto e gestos. Ao longo desses anos, Munari se afastou do movimento da arte programada ou cinética e experimentou métodos de criação relacionados aos preceitos da filosofia Zen, da dialética entre o princípio do cheio e do vazio.
Entre fevereiro e maio de 1967, ele recebeu um convite de Harvard, onde ensinou Explorações Avançadas e Comunicação Visual e publicou um livro muito técnico sobre os novos meios de comunicação visual, intitulado “Design e comunicazione” [Design e comunicação]. Nele, um radicalismo irônico, ciente de uma epistemologia transdisciplinar, fez dele uma das figuras mais autônomas e extraordinárias do século passado. Podemos continuar falando sobre ele como escritor, publicitário, diretor experimental e propositor de uma prática artística que atua como ferramenta de ação política e intervenção social, como em Campo Urbano, em 1969. Para entrar no mundo de Munari, é importante ter em mente sua participação contínua na escolha, organização e discussão das partes escolhidas. A criatividade é a síntese da liberdade imaginativa e da precisão inventiva, sendo que esta advém de uma análise meticulosa e, portanto, trata-se de uma consequência do que é justo.
Texto de Alberto Salvadori