Era questo un amore circolare, che non aveva tuttavia alcun punto di contatto o di corrispondenza – solo sfioramenti, sussurri, passaggi veloci come i desideri che si portano in grembo le stelle quando cadono e appare chiara ai nostri occhi tutta la loro bellezza mentre volano nell’aria ancora un po’, prima di morire o di finire chissà dove.
(Le Cosmicomiche, Italo Calvino)
“O artista é criador de coisas belas”, diz Oscar Wilde no prefácio d’O Retrato de Dorian Gray. Um prefácio que é, ao mesmo tempo, uma carta de intenções e um ajuste de contas com a sua época, com certas ideias que circulavam e com o desejo de defender a arte pela arte – uma existência que prescindia de justificações. Pedro Cabral Santo é um criador de coisas belas, mesmo que não defenda, como Wilde, a inutilidade da arte na sua acepção mais kantiana.
A suas criações são discursivas, são meta-referentes – não existem sem um contexto e exigem, do espectador, além do espanto, a adesão consciente num jogo de múltiplos sentidos e de significações diversas. Talvez falar de beleza pareça descabido ou anacrônico quando se trata de classificar, ou abarcar, a obra de um artista contemporâneo. Mas é de beleza que se trata quando lidamos com objetos e conceitos, ou com os objetos-conceptuais deste artista: a busca do sublime está presente em cada peça e na sua concepção de espaço.
O espaço existe, na obra de Pedro Cabral Santo, como parte da criação, pois nada é deixado ao acaso – há nele, consciente ou inconscientemente, um desejo de organizar o caos. E o caos é o princípio de qualquer criação, é o princípio da nossa história enquanto seres humanos num planeta a que chamamos de Terra, como chamamos de terra o solo que nos acolhe e que pode ser fecundado e dar frutos.
E é na terra, solo e planeta, que muitos vivem, sem se preocuparem com tudo aquilo que está sobre nós, que nos circunda e envolve e que fazia parte de nós enquanto fomos caos – pó de estrelas, fragmentos, moléculas em movimento antes da grande explosão. E o artista olha para o espaço, para a imensidão inapreensível do que está acima de nós e cria a sua própria versão do mundo, ou do cosmos – palavra que nos remete à ideia de ordem, de harmonia e de beleza. O artista é criador de coisas belas porque é também criador de mundos, de novas cosmogonias e geografias. De novos mapas e de personagens que os habitam.
Esta peça, homenagem ao ilustrador Gil Kane, é um gesto de afirmação do artista enquanto criador – metafórica e plenamente. Os mistérios do universo, e da sua organização e harmonização, fascinam o artista que em diversos momentos da sua obra, planeia invadir o infinito, com seus foguetões, com naves espaciais e seres estranhos que vai buscar ao universo da ficção científica que sempre o encantou. As memórias da infância e da adolescência: os filmes, as BDs, as músicas e os brinquedos, são convocados em forma de homenagem a um tempo, que existe e sobrevive para além da cronologia dos relógios e para um espaço que está dentro e fora de nós.
Nos anos 60 o escritor italiano Italo Calvino escreveu uma série de contos que mais tarde foram convertidos num livro – Le Cosmicomiche. Com muito humor, Calvino nos fala do princípio de tudo, quando sequer havia a ideia de princípio, antes mesmo de haver qualquer coisa – um amálgama de pontos que existiam em simultâneo e que vagavam no espaço, com nomes impronunciáveis, porque tudo aconteceu antes do nome das coisas e das próprias coisas. E, no entanto, havia a palavra e o gesto que movimentava cada ponto em direção ao outro, um gesto circular e sutil, que se reproduzia em milhares de gestos, em poesia antes da poesia nascer. E é este gesto entre o humor e a poesia, entre a ficção e a realidade que sustenta essa obra. Que é, como tudo mais que faz parte da obra de Pedro Cabral Santo, uma coisa bela. Porque é fresca, como um mundo novo.