A MONITOR Lisbon, tem o prazer de anunciar Claim the diamonds in your eyes, uma exposição individual de Edgar Pires.
Quando duas pessoas dão começo a uma conversa, há sempre uma terceira que fica a ouvir e esta terceira pessoa é o silêncio, escreve o filosofo suíço Max Picard no livro The world of silence (1948). Edgar Pires tem vindo a trabalhar as diversas formas de principiar uma conversa na sua prática em escultura e o tem feito de forma simples, directa e cuidadosa. O seu é um trabalho único, um encontro entre elementos, um processo que se mostra e que aparece em diversas formas: ao rebarbar um bloco de metal tem aparecido a faísca (o vídeo), da faísca a projecção de ferro quente sobre vidro, depois as limalhas deixadas a marinar em moldes juntamente a processos de subtracção, acréscimo, secagem e oxidação e questões próprias da escultura como equilíbrio, volume e peso (os sólidos). Finalmente as paisagens/ frescos em vidro, síntese de formas precedentes e prefiguração de futuras (os moldes e as cofragem das esculturas).
O artista tem trabalhado os restos, feito assemblagens de objectos, reutilizado formas e ideias. Em silêncio, para escutar o que o material tinha a dizer ou simplesmente para dar ouvidos a uma intuição intelectual, para voltar ao começo das coisas. É nessa linha que as obras de Edgar Pires se apresentam, figuras nascidas duma acção primária e acto originário do qual sobressai um conjunto de formas e objectos mas sobretudo, a subjectividade enquanto carácter essencial da obra de arte.
Descobre-se assim, que o corpo de trabalho do artista alude a diversas esferas de significado ao remeter para referentes distintos num percurso subterrâneo que vai desde a literatura à música punk rock. Um trabalho que cresce e informa ideias no campo da escultura e que em todo caso, traduz-se num convite a descobrir e construir uma narrativa própria ou melhor dito, um repto ao posicionamento do olhar. Ao debater ainda sobre a formulação de conceitos e definições, antes do que mera experiência visual, as esculturas propiciam a construção de um diálogo íntimo apresentando questões limiares da prática artística e um processo de conhecimento da realidade formal. O objecto de pesquisa em Claim the diamonds in your eyes, à primeira vista livre e espontâneo ou ditado pelo acaso do encontro, é meticulosamente investigado. As esculturas marinam durante meses em moldes previamente definidos pelo artista num composto de limalhas, sal grosso e vinagre. Os moldes em vidro após pintados e ainda com traços do material que contiveram, são reutilizados numa composição que coloca perguntas sobre questões inerentes ao olhar: reconhecer e construir uma paisagem seja ela um lugar, um horizonte, um fresco ou uma ideia. As composições em vidro postas em cima de prateleiras a várias alturas são, na realidade, o registo e o negativo da acção do tempo. Um processo que procura as similitudes entre paisagem herdada e paisagem construída, forma herdada e forma construída, assim como a preocupação de concretizar e fixar ideias com um gesto: pintar de branco o verso! A ênfase que o trabalho de Edgar Pires coloca em questões associadas à paisagem e às formas é abordada a partir de condições próximas do se fazer da obra, nomeadamente pelo equilíbrio constante entre o efémero e o perene e pelo cruzamento entre a gestualidade com pragmáticas construtivas.
Um tempo e um lugar, o segundo momento expositivo de Edgar Pires no CAPC Círculo Sereia em Coimbra, reúne os aspectos referidos e vai mais além ao promover uma refinada qualidade poética. O artista mostra numa nova montagem de dois projectos prévios – a saber no Ar Sólido em 2015 e na Appleton Square em 2017 – conjuntamente com obras novas, uma visão pessoal do acostumado, do já feito que se traduz na reflexão sobre a ideia de que os objectos são permeáveis a diferentes interpretações e codificações distintas com o passar do tempo.
Edgar poderia refazer as suas obras muitas vezes acrescentando sempre algo de novo, e isso acontece por vezes de forma inconsciente ou quando as obras já assumem a dimensão de lembrança ou já têm uma própria autonomia independente do seu autor. Assim esta exposição é mais uma história privada do artista que através analogias e associações mostra a vontade de repetir as coisas: o tema do tempo e a repetição que exorciza o fim ou mais simplesmente como as obras se consomem ou são consumidas pelo tempo e pelas pessoas. Através da escuta do material, já referida, Edgar sabe também que os paradigmas que sustentam a sua linguagem escultórica formam-se e agem segundo um sistema estruturado de semelhanças. Estas características do seu trabalho constituem um certo saber fenoménico que se torna experiência e que permite uma abertura descritiva. Tal processo só é possível com a condição da existência de um a priori experiencial e mnemónico que é também um código de leitura e de interpretação do acto complexo do olhar, do ver e do observar.