Nothing happens. Nobody comes, nobody goes. It's awful.
(Samuel Beckett, «Waiting for Godot»)
O artista Orlando Franco criou uma obra, em forma de exposição, à volta de um conceito muito caro à arte europeia pós-Segunda Guerra Mundial: o conceito de espera.
Wait, nome que deu à sua exposição, que como disse é um trabalho de curadoria, é também uma obra, concebida num espaço — o Museu da Coleção Berardo—, e que conjuga e confronta uma série de artistas, tendo como eixo central uma peça do dramaturgo irlandês Samuel Beckett. O dramaturgo que experimentou, na linguagem, novas formas de dizer outras coisas usando, no entanto, as mesmas e gastas palavras; além da sua escrita para teatro, escreveu e realizou algumas obras para a televisão. O que ele pretendia era esvaziar de sentido os termos que, de tanto uso, já não serviam para nada (meras formas de cortesia, uma linguagem quase que puramente conativa). Ao repetir ad absurdum, num loop infinito, palavras e frases quotidianas, Beckett reinventou a linguagem, criando mesmo uma nova língua na dramaturgia, e nas artes, ocidentais.
Fruto de um período obscuro, como diria o filósofo Ortega y Gasset — eu sou eu e as minhas circunstâncias—, Beckett reflete sobretudo acerca daquele momento em suspenso que se iniciou com o fim da Segunda Guerra e com o início de outra guerra, a fria, jogada noutro território — o das palavras. Orlando Franco recupera as ideias de Beckett, além de uma das suas obras, para conjugar, com esta exposição, o verbo esperar:
“Quanto mais conscientes da passagem do tempo num momento de espera prolongada estamos, mais nos confrontamos com um cansaço prematuro que culminará num estado de exaustão.”
O artista/curador pergunta-se o quão esta exaustão atravessa a arte, e os seus sentidos, e o quanto ela pode ser motor de criação, uma força centrípeta que empurra a arte para a frente mas que não permite que esta saia do mesmo lugar. Se a arte do início do século XX foi marcada pelo movimento, ou pelos movimentos que se autodenominaram de vanguarda, que estavam à frente do seu próprio tempo, podemos dizer que a segunda metade do século foi marcada pela suspensão – do tempo, da poesia, da criação de imagens que pudessem, de alguma forma, retratar o que se vivia.
A segunda metade do século XX, que dura em termos de cronologia das Artes, até à contemporaneidade, é marcada pelo pensamento existencialista, que fala da morte de Deus e devolve aos homens o livre-arbítrio. É marcada ainda pela desesperança e pela descrença num mundo cada dia mais retratável e, paradoxalmente, menos palpável – a imagem substitui o objeto e entramos na era da iconolatria, como a denominou o pessimista Jean Baudrillad: destruir as imagens é uma tarefa perigosa. Se o original se perdeu, o que pode restar?
"(…) o seu desespero metafísico vinha da hipótese de que as imagens não ocultassem absolutamente nada, e de que não fossem em suma imagens construídas a partir de um modelo original, mas tão simplesmente, simulacros perfeitos, irradiando para sempre o seu fascínio".
Cabe aos artistas retratarem, à sua maneira divergente, a nova realidade que se compõem de fragmentos de linguagens, de sobejos do mundo visível, de sobras ou das ruínas de um futuro que não se chegou a realizar. Encontramo-nos diante de um labirinto simbólico que necessita ser decifrado para que se possa encontrar uma saída, ou criar novas portas dentro das limitações que o mundo impõe. Omar Calabrese acredita que "onde quer que ressurja o espírito da perda de si, da argúcia, da agudeza, aí reencontramos pontualmente labirintos". Os pensadores da pós-modernidade sustentam que a época em que estamos deixou-nos numa grande encruzilhada, cada dia mais presos a uma espécie de tédio radical – de não-movimento, de espera.
E esta espera, no caso da exposição Wait, torna-se sujeito, verbo e objeto. Como afirma Orlando Franco,
“Mais que criar uma perspetiva fatalista sobre a questão da espera, a exposição procura indicar direções que recuperem campos de possibilidades tão diversos quanto as especificidades de cada obra (…)”.
A ideia de espera presente nesta exposição e em cada obra de artistas, e suportes tão diversos, postos em relação num diálogo permanente, permite avançarmos um pouco em direção a nós mesmos, à compreensão da nossa situação contemporânea e anacrónica. Como as personagens de Waiting for Godot, somos levados a voltar sempre ao mesmo sítio, a repetir os mesmos gestos mantendo viva a esperança de que a nossa espera não é vã. Mesmo tendo plena consciência de que Godot, enquanto houver amanhã, nunca irá chegar, porque a sua chegada indicará um fim e estamos apenas no meio do caminho.