A prática artística de Patrick Hamilton tem como fio condutor o questionamento dos conceitos de trabalho, história e espetáculo no contexto Chileno das últimas décadas, em particular no período conhecido como Pós-ditadura. Assim, de uma forma geral, a prática de Hamilton impõe-se como uma reflexão estética em torno das consequências culturais e sociais da chamada “Revolução Neoliberal”, implementada no Chile por Augusto Pinochet e os “Chicago Boys” durante os anos 80, e a projeção que, desde então, se verificou no campo social e cultural. Em jeito de uma “arqueologia do neoliberalismo” a posição do artista direciona, de maneira poética, aos resultados complexos, e muitas vezes desastrosos, que o sistema económico provocou no Chile e, bem como em outros países do mundo.
La mano invisible é a primeira exposição individual do artista Chileno na Galeria Baginski e resgata o título ao romance literário de Isaac Rosa que, por sua vez, se refere ao conceito cunhado por Adam Smith em meados do séc. XVIII. O conceito da “mão invisível”, considerado um dos fundamentos do liberalismo clássico, é uma metáfora para a capacidade autorreguladora do mercado livre, no qual, através de um “egoísmo racional” e da capacidade de “empatia”, se atingiria indiretamente o bem-estar geral das sociedades. Por outro lado, o romance de Isaac Rosa narra a situação de um mundo do trabalho (e do trabalhador), que alimenta uma construção virtual e material inerente à nossa sociedade atual, onde a degradação das condições laborais, bem como o desemprego, resultam na deterioração da qualidade de vida que contribui para um mal-estar num universo económico e social claramente em crise.
Na exposição, Hamilton apresenta uma série de trabalhos que mencionam diretamente este mundo de precariedade laboral, aludindo ao trabalho no seu sentido mais elementar: o trabalho manual, repetitivo, mecânico e alienador. Em postura de “artista-empreiteiro”, Hamilton constrói obras utilizando lixas, espátulas, luvas e pás-de-pedreiro que, além de referirem a situação de crise do sector laboral, resultam numa representação formal, de condição artística, sobre os fenómenos mencionados.
Este processo de validação do conteúdo através da forma pode ser percetível na série de colagens de lixa que Hamilton intitula de Pinturas abrasivas. Sobre fundos pretos, pintados sobre tela, Hamilton constrói, na sua autoinstituída posição de empreiteiro, de modo repetitivo e quase obsessivo, uma série de tramas e padrões que aludem fragmentos de pavimentos ou muros. Este gesto é intensificado pelo carácter formal destas obras que, evidenciando referências da história de arte que são motivação plástica para a obra de Hamilton, partem de uma alusão explícita às correntes do construtivismo e, em especial, do suprematismo, em particular ao emblemático quadro preto de Kasimir Malevich.
Com efeito, a economia de gestos e de meios, o uso do monocromático, tal como o rigor formal das obras têm uma vinculação com a corrente artística que, tanto formal como conceptualmente, foi iniciada pelo vanguardista russo. A imposição das tramas, bem como a geometrização e texturização da superfície pictórica, sugere a ideia de contínuo e infinito, de um trabalho que é virtualmente extensível. Em algumas destas obras, onde se sobrepõe o preto ao preto, anula-se a materialidade e a função da lixa impondo, uma valoração das propriedades estéticas e anulando o papel do operário impondo subliminarmente questões sobre as condições de visibilidade e invisibilidade.
Esta questão do visível e invisível é reforçada na obra Monument (la mano invisible), que consiste numa instalação composta por um muro de metal que reproduz os dispositivos de exposição usados no comércio informal no centro de Santiago do Chile. Nestas grelhas metálicas, são expostos todo o tipo de produtos, vendidos ilegalmente ou sem pagar impostos (comummente designado “ao negro”), mas na instalação encontram-se repletas de luvas de trabalho pintadas de negro, lembrando silhuetas ou restos carbonizados. Neste sentido, a instalação assemelha-se a um teatro de sombras, referindo-se justamente à contradição entre o transparente e o opaco como metáfora das nossas sociedades atuais onde os problemas de desocupação, de economias submersas e de trabalho ilegal se constituem numa solução precária para a vida de milhões de pessoas. Pode ser que a mão invisível de Smith se tenha tornado uma “mão negra”.