O projecto Alheava[1] de Manuel Santos Maia, iniciou-se em 1999 e é constituído por dois momentos principais. O primeiro, foi apresentado publicamente até 2014 e contemplou diversas práticas artísticas como som, vídeo, fotografia, performance, instalação e até mesmo colaborações artísticas. A segunda fase, surge no momento em que Maia retorna em 2014 ao lugar de Moçambique. Uma viagem que, decididamente marcou mais uma década de pesquisas e trabalho neste projecto de perpétuas memórias.
Maia, num primeiro momento, abordou o alheamento de Portugal face ao passado colonial e pós-colonial construído através da memória individual e familiar, reflectindo sobre a identidade colectiva luso-africana que presenciou ‘na pele’ os processos de separação e independência de um mesmo território. Numa tentativa de sacudir e consciencializar o outro, de modo a levá-lo a abandonar tal estado agnóstico, foram trazidas à luz memórias, histórias, percursos de vida, movimentações forçadas e constrangedoras, já que este projecto nasce da necessidade imperiosa de não esquecer, de não querer esquecer e de nem permitir que essas memórias se desvaneçam no tempo, já que de algum modo, elas também constituem a identidade do próprio artista. As narrativas que encontramos na obra de Maia vão além de si, enquanto o ‘eu’ que simboliza algo maior, se transforma num pronome plural.
Alheava - Transporto Sempre Uma Viagem é o segundo momento deste projecto e a primeira de seis partilhas desta viagem, ao lugar físico da memória. Uma viagem após quase 40 anos de ausência, numa redescoberta de lugares familiares, de cheiros e texturas que agora se empregam como imagens vivas e reais. Este regressar a um território que outrora foi extensão de um Portugal mais dilatado e rico, reavivou recordações e simultaneamente que erigiu nele mesmo o lugar do Moçambique de hoje. Uma viagem recolectora de memórias e objectos que agora nesta primeira exposição se prolongam na procura de uma partilha, trazendo Presenças, Sombras, Luzes, Objectos, Areias, Corais, Esculturas, Artesanatos, Tecidos, Modos Vivendi de um Moçambique independente, que Maia traz agora no novo sopro da memória de um búzio.
Em paralelo a exposição Alheava - Transporto Sempre Uma Viagem com curadoria de Inês Valle, e também inseridas nas comemoração dos 40 anos de Independência de Moçambique podem ainda ser visitadas no Espaço MIRA as seguintes exposições:
- Moçambique 1975-1985 de Moira Forjaz, com curadoria de Manuela Matos Monteiro e João Lafuente.
- Os dias da independência de Alfredo Cunha, com curadoria de José Maia.
Manuel Santos Maia nasceu em Nampula, Moçambique, em 1970. Vive e trabalha no Porto. Licenciado em Artes Plásticas o Pintura na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Doutorando do Doutoramento em Artes Plásticas e Artes Visuais o Modos de Conhecimento na Prática Artística Contemporânea pela Universidade de Vigo. Expõe regularmente desde 1999. Em 1999 concebe o projecto alheava que tem vindo a apresentar até ao presente ano, tendo sido apresentado em diferentes países como Portugal, Inglaterra, França, EUA, Bélgica, Espanha, Noruega, Macau ou Argélia. No mais recente projecto non, idealizado em 2003 e apresentado desde 2006, como no projecto alheava MSM cruza a noção de documento com a experiência individual e familiar, para alcançar uma espécie de memorabilidade colectiva, enquanto espelho antropológico que nos liga a todos pelo filtro de uma intimidade documentada.
Nota
[1] O título “alheava” surgiu da leitura da obra De Profundis Valsa Lenta de José C. Pires. Nesta obra, o romancista, caracteriza a condição da sua personagem como sendo alguém que vive um processo irreversível de perda de identidade que se traduz, por sua vez, numa perda da relação com o mundo, com os outros, com o passado e com o presente. A descrição da condição da personagem aproxima-se a um processo de despersonalização.