Na obra de Nelson Leirner tudo volta, mas renovado, digerido: devidamente traduzido. Leitor dos outros e de si próprio, Nelson retorna sempre a obras canônicas, da história da arte ou mais contemporâneas, mas confere a elas uma visada própria, irônica, crítica, afetiva, iconoclasta, e sempre bela nas linhas, materiais e cores que refaz, inventa e adiciona.
O objetivo dessa exposição é, assim, tratar do processo criativo de Nelson Leirner, a partir de uma “esquina” inusitada. Ao invés de fazer uma leitura cronológica e seriada – ou mesmo progressiva -- a ideia é recuperar o trabalho do artista a partir de uma perspectiva quase circular. “Nelson Leirner leitor dos outros e de si mesmo”.
É conhecida uma faceta da obra de Leirner, que seleciona artistas -- como Leonardo da Vinci, Diego Velázquez, L. Fontana, Mondrian, Duchamp , e tantos outros – tal qual metáforas ou pretextos. Esses mesmos artistas retornam, porém, alterados e expostos a partir das mais diferentes situações.
É como se Nelson conversasse com eles e, a partir do diálogo que se estabelece, tivesse oportunidade de olhar, e estranhar, a si próprio e sua arte. Sempre contando com um recorte inesperado, muitas vezes irônico, Leirner revisita diferentes artistas e obras mas seguindo, no limite, uma narrativa que é só sua. Afinal, na própria trajetória de nosso artista é possível perceber uma crítica contínua, coerente e persistente ao mercado da arte, e às fórmulas consagradas que ele cria. Desse espaço não escapam, é bem certo, os artistas deificados pela mídia. Por isso, Monalisa pode aparecer de chapéu e óculos escuros; as bolas coloridas de Hirst surgirem bordadas; as meninas de Velázquez surpresas com um enxame de moscas; os rasgos de Fontana como zíperes que – práticos -- podem ser abertos mas também fechados.
Mais ainda, é possível contar uma história da arte, seguindo a forma original como Leirner faz arte de “si”, tendo como base o olhar dirigido ao “outro”. Ou seja, como produz um projeto só seu, a partir da tradução de outros.
Sabemos que não existe nesse mundo nada isolado, fechado, ou “puramente original”. E Nelson escancara a fenda e o desconforto, mostrando como arte sempre se fez e se faz por referência, inferência, leitura e tradução.
Como diz Lampedusa todo “tradutor é um traidor” -- Traduttore, Traditore --, e nesse nosso caso não seria diferente. Nelson Leirner faz da “sua” arte uma homenagem e ao mesmo tempo uma crítica de maior alcance, porque acompanhada de outras obras e repertórios que constituem a sua, mas também a nossa, imaginação visual. Pensamos por “convenção” e a partir de imagens previamente selecionadas. O que faz Nelson é expor a sua convenção e brincar com ela.
Aí está um verdadeiro vocabulário dialogado da arte, tendo como régua e compasso a obra de Nelson Leirner.