Um fragmento do diálogo de Platão - Ménon (~ 385 a.C.) - consiste num antigo texto em que se pode vislumbrar a sofisticada matemática emergente na Grécia antiga. Sócrates dialoga com um escravo de Ménon sobre o problema da duplicação do quadrado (ver Figura 1).
Sempre que se analisa um episódio histórico, é muito importante usar os «óculos» da época. Actualmente, estamos habituados a pensar com termos e resultados geométricos precisos, equações, sistema de numeração posicional, etc. No entanto, o contexto da época era totalmente diferente. Para levar o escravo a compreender que o quadrado maior tem exactamente o dobro da área do menor (pintado a verde), Sócrates utiliza um «argumento puro» e não nenhuma destas ferramentas modernas. Por esse facto, o argumento tem muito mais encanto e é imediatamente convincente. Se se considerar a divisão exposta na Figura 2, é imediatamente constatável que o quadrado grande é composto por quatro quadrados iguais (lados sublinhados a preto) e que o quadrado pequeno verde é composto por quatro triângulos iguais (lados sublinhados a vermelho). Como cada um dos quatro quadrados em que se decompõe o quadrado grande é formado por dois triângulos iguais ao que tem o contorno vermelho, a área do quadrado grande é duas vezes superior à do pequeno (ver Figura 2).
O leitor pode pensar que se trata apenas de um argumento elementar sem grande sofisticação. Mas é absolutamente incrível o que se pode obter a partir de argumentos simples deste género. Os parágrafos que se seguem constituem um exemplo, utilizando um objecto mundano conhecido e utilizado por todos, a folha A4.
As folhas A4 que utilizamos têm uma forma rectangular muito precisa. Se consultarmos uma resma de papel comum vamos encontrar as medidas 210x297 mm. Se o leitor não é conhecedor do que se segue, pode ter uma imediata dúvida: por que não escolher números mais redondos e fáceis de memorizar (por exemplo, 200x300)?
A reposta a esta pergunta relaciona-se com o conceito de forma. Duas figuras podem ter tamanhos diferentes, mantendo a forma. Por exemplo, um rectângulo 2x4 tem exactamente a mesma forma que um outro rectângulo 4x8. Os tamanhos absolutos mudam, mas a forma não. Há manutenção das proporções, isto é, 8÷4 dá exactamente o mesmo que 4÷2, ou seja 2. Este resultado transmite uma mensagem simples relativa à forma destes rectângulos; a altura é o dobro da largura. Um banal zoom feito num computador altera tamanhos, o que é bom para os nossos olhos, mas não altera o resultado das divisões. Todas as circunferências têm a mesma forma, todos os cubos têm a mesma forma, todas as esferas têm a mesma forma, etc.
Voltemos à nossa hipotética folha 200x300. Se a dobrarmos, obtemos novo rectângulo 150x200. Acontece que 200÷300 não resulta no mesmo que 150÷200. Ou seja, se dobrássemos essa hipotética folha, estragávamos a sua forma (Figura 3).
A grande questão consiste em saber se podemos considerar alguma forma rectangular de maneira a que a sua dobragem não a estrague. A resposta é afirmativa e é exactamente isso que é a folha A4. Repare o leitor nas enormes vantagens práticas de tal folha:
1) Partindo de uma folha A3, se a dobrarmos e rasgarmos obtemos duas folhas A4 prontas para serem colocadas nos nossos dossiers.
2) Se colocarmos lado a lado duas folhas A4 numa fotocopiadora e escolhermos o modo de redução, é possível enviar cada uma das duas para metade de uma fotocópia A4 resultante. Sem estragar a forma (Figura 4).
Para sabermos as proporções exactas de tão impressionante folha, podemos utilizar uma equação ao alcance de um aluno do ensino básico. Em relação à Figura 5, tomando para unidade a largura, o que se pretende, para manter proporções, é que 1÷x resulte no mesmo que (x/2)÷1. A equação dita que x=Raiz(2), ou seja, a altura tem de ser 1,414… vezes superior à largura para que a forma se mantenha por dobragem (observe o leitor que este número multiplicado por 210 resulta aproximadamente em 297, medida padrão da folha A4) (Figura 5).
A primeira pessoa a ter a ideia de padronizar estas regras foi o físico alemão Georg Christoph Lichtenberg (1742-1799) que, numa carta que escreveu em 1786 a um amigo, abordou as vantagens práticas de tal forma rectangular. A formalização deu-se mais tarde. Baseado no padrão alemão Deutsches Institut für Normung (DIN) 476, de 1922, o padrão ISO 216 da International Organization for Standardization, de 1975, está actualmente em vigor (Figura 6).
E o que têm Platão, Sócrates e o escravo de Ménon a ver com isto? Tal como no fragmento do Ménon, a razão está no facto de não precisarmos de fazer contas para constatar a ocorrência da forma rectangular da folha A4. Todos os bebés pegam nessa forma com as mãos. Imagine o leitor que se coloca um cubo pequeno no interior de um cubo grande como se mostra na Figura 7.
Na vista de frente, temos o diagrama de Sócrates. O lado do cubo pequeno é igual a metade da diagonal da face do cubo grande e a diagonal da face do cubo pequeno é igual ao lado do grande. Se fizermos um movimento com o cubo pequeno, podemos colocar o mesmo na posição ilustrada na Figura 8.
Agora considere-se uma secção diagonal do cubo grande e pense-se na dobragem ilustrada na Figura 9.
Todos os cubos têm a mesma forma e as suas secções diagonais também. O que sucedeu neste processo é que uma secção diagonal de um cubo maior foi dobrada dando origem a uma secção diagonal de um novo cubo, consequentemente, com a mesma forma. Ou seja, a forma rectangular da folha A4 pode ser enunciada sem precisar de equações ou do número 2 . As folhas A4 são secções diagonais de cubos. Apenas isso, sem contas nem equações.