Maria Clara Leopoldino Santos

Nasci na capital do estado de Rondônia, em Porto Velho, no Norte do país. Sempre fui uma criança curiosa e sensível, que sempre gostou de brincar com coisas diferentes, não com brinquedos comuns, mas de explorar a criatividade, com embalagens de produtos, dentre outros. Desde muito nova fui sendo cercada pela cozinha, de forma atípica para os padrões, tanto pai quanto mãe, cozinhavam em casa. E nas férias, ao ir para a casa de cada uma das avós, ficava horas com elas na cozinha, acompanhando cada detalhe do preparo para comer satisfeita depois. Filha da fusão entre mãe de família italiana, do interior de São Paulo e pai carioca da gema, com família que traz heranças portuguesas e também indígenas do povo Potiguara. Toda essa mistura foi resultando em diferentes preparos e modos de fazer, que foram despertando a curiosidade pela área de gastronomia.

Fui atrás de cursos de gastronomia, tanto técnico quanto bacharelado e após ser aprovada na Universidade do Vale do Itajaí e na Universidade Federal de Pernambuco, tidas naquele momento como os cursos mais bem qualificados de bacharelado na área, optei pela Federal, em Pernambuco. Na época, mentalizava que gostaria de estudar confeitaria e lecionar um dia, por achar uma área muito bonita e transformadora, a transmissão de conhecimento.

A partir daí, o universo gastronômico só foi se expandindo cada dia mais. Junto a isso, a beleza de ver como o pernambucano valorizava toda sua cultura e sua comida. E tomar para mim, a importância de valorizar o que também vem do meu estado de origem. No início da faculdade, fui recrutada por uma professora de Microbiologia dos Alimentos e Cozinha Oriental para trabalhar em Projeto de Extensão, não por ter as melhores notas, mas por sempre estar emprenhada nas atividades e querer entender mais sobre os processos e o “por quê?” das coisas. Mais tarde, esse primeiro contato com a Microbiologia, me fez ir atrás de uma Pós-Graduação em Gestão da Segurança dos Alimentos no Centro Universitário Senac (SENAC/SP).

Trilhando o caminho da pesquisa científica, fiz extensão, iniciação cientifica e monitoria. Participei também de capacitações voluntárias. Até que houve um grande giro de chave, quando vi que para ser uma boa professora, precisava também da parte prática, não só da teórica. Fui atrás de estágios, eventos e concursos de gastronomia locais. Nesses espaços procurava sempre absorver como uma espécie de esponja. Observar, pesquisar e praticar.

Um dia surgiu a oportunidade, por meio de um professor que gostava da forma que eu trabalhava em aula, de ir estagiar num restaurante que iria abrir no final de novembro de 2017, de cozinha contemporânea, e tido como alta gastronomia, de um ex-aluno da Universidade. Fiquei na dúvida de enviar meu currículo, por saber que o ambiente desse tipo de restaurante ainda é extremamente machista, e muitas vezes não se vê mulheres compondo estas brigadas, menos ainda, em posições de liderança. E era cercada por um grande medo de não dar conta. A cozinha é um ambiente que hoje é amplamente glamourizado pela mídia, mas não deveria ser. A arte de cozinhar, sim, e toda sua magia.

Até que por conta de uma conversa com uma Chef de Cozinha, que tem uma trajetória fantástica e de muito emponderamento, resolvi enviar o currículo, pensando no que a Chef me disse “você não sabe o que vai encontrar, se não tentar”. De forma hoje engraçada, após mais de 6 anos na empresa (a que enviei o tal currículo), me tornei Chef Executiva, no Cá-Já Restaurante, em Recife, Pernambuco. Lá tive oportunidade de ainda no estágio começar a desenvolver pães, me apaixonando ainda mais pela área de panificação, e hoje tenho como xodó tudo que remete a fermentados no geral. Um dos pilares do restaurante e também do meu Chef, também jogou luz a algo que eu já gostava bastante na faculdade, a agroecologia, e até hoje é algo que procuro apoiar e estudar sobre.

Neste intermédio de tempo, também fui atrás de outro sonho, de lecionar. Docente no curso profissionalizante do Instituto Gastronômico das Américas (IGA), tive oportunidade da troca com diversos alunos e profissionais, aonde cada um me trouxe algo novo e diferente, onde o mais fascinante é a troca totalmente individual e, ao mesmo tempo, coletiva, pois, no fim, o que une a todos é o alimento. Algo que, milenarmente, é já conhecido como algo que remete a união de pessoas. Observar alguém do zero, crescer, se desenvolver da sua maneira e voar, é das coisas mais lindas. O ensino é algo transformador.

Em síntese, sou apaixonada pela comida como cultura, e em como o mundo da docência e o de cozinha prática dançam num balé e se complementam dentro de mim. A partilha disso é quase visceral. E diante dessa junção, o olhar antropológico diante das vivências gastronômicas é o que, por fim, pincela o meu eu para o mundo.

Artigos por Maria Clara Leopoldino Santos

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