Pela janela, em frente ao computador em que trabalho, vejo um frondoso Acer Palmatum que ilumina minha visão e me diz: siga. Embora, penso eu, tal mensagem queira me conduzir adiante, ao futuro, inevitável evitar lembrar-me do primeiro ano que passei em esta casa. Cheguei no verão, sol ardente, cuja sombra dessa árvore proporcionava o único abraço fresco e aconchegante. Sentar-se sob sua proteção era o ápice do dia: as crianças nela brincavam; os pássaros nela cantavam uma viva sinfonia.
A dinâmica escolar, somada aos afazeres laborais, foram diminuindo o usufruto desse aconchegante amigo. Ao mesmo passo as primeiras folhas iam desprendendo-se dos galhos, mudando a paisagem do antes verde tapete gramado. Era o outono que chegava sem ser anunciado.
Bateram à porta, não quis abrir. Mas a insistência ganhou, não resisti. Nada mais podia eu fazer: o inverno aqui estava. Seus ventos uivantes torciam as árvores, despenteavam os ramos, mas ao Acer nada faziam. Este se mantinha firme e forte, algumas folhas a menos, é verdade, porém sua imponência reinava no jardim invernal como se nada sentira.
Despertada pela estrondosa tormenta, observei uma madrugada distinta: era tanta a água em flocos que caia, que a noite mais clara parecia. Pela manhã, os marrons, amarelos e poucos tons verdes que haviam resistido até então, sucumbiram ao impetuoso inverno e, naquele então, o branco reinava.
Em uma batalha, como essas travadas há anos, desde que o mundo é mundo, o sol vence. E, como já anunciado, o sol impera derretendo os corpos nevados, revelando os tons da natureza que seguiam fazendo-se existir. No entanto, desolada me notei quando percebi que folha alguma restava no Acer. Uma certa revolta nasceu em meu peito: como ousava aquele maldoso inverno destruir meu frondoso amigo? Lamentávamos em família; nosso amigo não havia resistido.
Foi um inverno escuro. Pouca luz nos dias, quase nada dentro de mim. Tudo parecia difícil, sem razão de ser ou estar. Mecanicamente me movia e exercia meus deveres, sem o brilho do olhar.
Uma breve pausa na rotina cotidiana, alguns poucos dias no campo. Nova paisagem, mesmo adormecimento em meu ser. O retorno, porém, surpreendente foi: meu amigo estava novamente frondoso. Vividamente recordo daquele dia! O Acer impunha-se ao centro do jardim primaveral, com sua copa arredonda, repleta de folhas recém-nascidas, cujos verdes abrilhantavam minha existência. De mansinho, experimentar o cotidiano foi tornando-se mais perfumado e colorido, os sentidos aguçados captavam as informações onde quer que estas estivessem, alimentando a mente e o coração. Assim, como na natureza, a primavera reinava dentro de mim, que renascia para um novo então.
Hoje, admirando o meu amigo pela janela, lembro-me dessa história que todos os anos se repete. Mudam os detalhes, é verdade. As cores e as intensidades mostram-se com nuances nunca vistas; todavia o enredo se mantém: o ciclo da natureza.
O inverno era a pausa. Não a pausa musical, que para quem conhece a teoria, sabe que a pausa em uma partitura representa a ausência de som, portanto, o silêncio, o nada. A pausa invernal é distinta, repleta de vida embrionária, que dormente dentro de si, angaria forças para o esplendoroso renascer das cores, cheiros e sabores que delineiam as paisagens primaveris. Não é a ausência de vida, ao revés: é a mais forte energia vital sendo constituída nas entranhas do ser para então resplandecer. Talvez seja a pausa uma necessária estratégia para a nossa vida. Aquele momento em que, assim como a natureza no inverno, recarregamos as energias para seguir adiante.
Algumas culturas estimulavam importantes pausas ao longo da vida. Recordo-me do ano sabático, o qual seria dedicado a ampliar conhecimentos interrelacionados com o interesse pessoal, muito valorizado nas carreiras acadêmicas. Quisá, em algumas universidades de excelência tal prática ainda seja valorizada, no entanto, a maioria das instituições de ensino superior atuais parecem, segundo a minha miopia, valorizar somente a ação educativa imediata, a reprodução dos saberes anteriormente construídos, de modo que a pausa para um sabático diminuiria a atuação proletária do professor.
Do fundo da memória trago o gap year, cujo conhecimento somente chegou a mim por meio de filmes norte-americanos. Estes anos eram culturalmente estimulados aos jovens logo ao término do ensino médio como um meio de ampliar o conhecimento cultural sobre a humanidade e sobre si mesmo, um período de reflexão relevante para construir o próprio projeto de vida. Em nossa cultura, tenho a impressão de que, quando o jovem não ingressa diretamente à universidade, recorre ao cursinho, não como um meio de autoconhecimento, mas como um período de pressão que o auxilia a se formar para a luta diária de um sistema em que a competição e os primeiros lugares nos pódios parecem ser as únicas recompensas desta jornada.
Robert Poynt, professor e escritor britânico, tem se colocado como um defensor da pausa, seja ela breve, semibreve, mínima ou semínima. Segundo esse autor, uma pequena pausa para um café ou uma caminhada entre uma ou outra tarefa pode ser um diferencial potencializador do bem-estar e até mesmo da criatividade. Importante, de fato, é que tal pausa seja percebida como tal, que haja uma desconexão mental com a atividade que se realizava e uma nova conexão com o momento presente, ou seja, que o sabor e aroma do café sejam percebidos, que a paisagem da caminhada seja contemplada no aqui e agora.
Mais ousado, destaca que pausas maiores, como uma semana dedicada à uma imersão na natureza ou em outra atividade que traga tranquilidade e satisfação à cada pessoa, podem trazer benefícios ainda mais intensos à qualidade de vida. Um ano, seis meses ou o que seja possível ou necessário entre um projeto e outro, podem contribuir para que haja um alinhamento entre os interesses, as motivações, as habilidades e a satisfação pessoal, dado que estas podem mudar ao decorrer da vida.
Uma das características do ser humano é a capacidade de se desenvolver, adaptar e mudar de modo agêntico. Isso significa que por meio de representações cognitivas pode-se estabelecer guias que nos motivem a realizar ações no presente, que nos leve a cenários futuros. Durante esse processo é fundamental que haja uma autoavaliação sobre quem somos e onde estamos em relação ao nosso projeto de vida, e que ações autorregulatórias sejam estabelecidas como meios que nos possibilite realizar tal projeto.
A autoreflexão, ação em que podemos contemplar nosso passado e futuro, nossas capacidades, pensamentos e emoções é essencial para que possamos exercer conscientemente nossas escolhas a cada ciclo de nossas vidas, considerando as possibilidades e as necessidades atuais, dado que a vida e a construção de nosso projeto não são exatas e invariáveis. Para tanto, requer-se a pausa.
É verdade que refletimos sobre nossa vida constantemente, no entanto, o frenético cotidiano impele-nos a uma ação automática. Escutamo-nos pouco. Interpretamos nossos sentimentos de maneiras superficiais. Distanciar-se do ritmo diário e vivenciar momentos de introspecção, pode ser uma das chaves para experimentar a nossa vida com as potencialidades e bem-estar que desejamos e merecemos. A pausa se faz necessária.
Uma ou várias pausas. Mínimas, breves, minutos, horas, dias, meses ou anos são várias as possibilidades de pausas, as quais podemos tentar incluir em nossa realidade. Essas, como o inverno, provavelmente não serão momentos de inação, mas sim, momentos em que o nosso ser poderá estar atento aos nossos sentimentos, desejos e ideais. Períodos de reflexão nos quais variadas ideias, chamadas de intuição por alguns, poderão emergir do nosso mais íntimo. Fases de muito afazeres internos que logo brotarão como as folhas do meu majestoso amigo Acer na primavera.