Tem filho por aí?

Esses últimos meses têm sido uma jornada inesperada e repleta de aprendizados. Uma nuvem de reflexões me envolveu durante meu tempo em São Paulo, e percebi como a importância dos idosos parece se dissipar. Será que isso ocorre porque a utilidade deles diminui? Nossos pilares de amor e sabedoria se tornam folhas ao vento, perdendo relevância com o passar do tempo?

Me peguei refletindo sobre a ordem natural de nos despedirmos de nossos pais. Embora seja doloroso, também faz sentido para quem tem a oportunidade de retribuir a mão forte que nos guiou durante nossa própria aprendizagem. Um caminhar mais lento e impreciso começa a se instalar nessa jornada. O levantar que antes era ágil agora se enfraquece. Nossos braços talvez se tornem grades para protegê-los de uma queda. Nossas casas precisam ser adaptadas para recebê-los, assim como, quando éramos crianças, as tomadas e pontas de mesas eram cobertas. Brinquedos espalhados pelo chão se tornavam parte da nova decoração, facilitando o acesso imediato e lúdico. É nossa vez de ajudá-los a se vestir, lembrá-los dos medicamentos e nos envolvermos no mundo imaginário deles. É um momento incrível de gratidão e retribuição em vida. Alguns filhos e netos se tornam PhDs em psicologia, enfermagem, design, arquitetura, culinária, resgate, direção... e uma despedida carinhosa se aproxima como um último ensinamento.

Objetos simples às vezes parecem ter uma vida preciosa nas mãos deles. Eles se agarram a esses objetos com uma força única e potente. Despedir-se um pouco a cada dia não precisa ser triste. Ser mãe/pai de seus pais é um filme inédito, onde o tapete vermelho da sala de estar representa a indicação para todas as categorias de um Oscar da vida real, onde cada gesto, palavra, toque e olhar é um prêmio.

A vida que nos deu à luz depende da nossa vida para morrer em paz. Duro, não? Infelizmente, não tenho o hábito de salvar por escrito algumas frases que leio por aí, mas uma que não me esqueço é: “todo filho é o pai na morte de seu pai.” Talvez a velhice do pai e da mãe seja curiosamente a última gravidez.

É difícil entender como filhos e netos descartam com tanta facilidade sua ancestralidade e, consequentemente, suas histórias. Negligência, abandono, violência física, psicológica e financeira/material são algumas das formas de abuso mais comuns relatadas pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. A pergunta que não se cala é: será que o Estatuto da Pessoa Idosa (lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003) tem sido respeitado dentro de nossas próprias casas e famílias?

A enfermeira e proprietária de uma casa de repouso em São Paulo, Daniele Máximo, relata posturas chocantes de alguns familiares que abandonam seus parentes não apenas em casas de repouso, mas também em hospitais. Em conversas aqui e ali, ouço e sinto a tristeza “do velho” no Brasil. Infelizmente, estamos passando por um rápido processo de envelhecimento populacional, com o número de pessoas com 60 anos ou mais crescendo a cada ano. Isso significa que há um número crescente de idosos precisando de atenção e cuidados, o que pode sobrecarregar os sistemas de saúde e assistência social. Ainda não possuímos políticas públicas suficientes para atender às necessidades dos idosos, garantindo acesso à saúde de qualidade, renda digna, moradia adequada e oportunidades de participação social.

Eles são frequentemente vistos como um fardo, improdutivos e fora de sintonia com o mundo moderno. Esse preconceito leva à marginalização e exclusão dos idosos. Conjuntamente, as famílias brasileiras estão se tornando menores e menos tradicionais. Isso significa que há menos pessoas disponíveis para cuidar dos idosos, aumentando o risco de abandono e negligência.

Diante disso, temos consequências negativas tanto para os idosos quanto para a sociedade como um todo. Idosos que se sentem invisíveis podem se isolar socialmente, evitando contato com familiares, amigos e a comunidade em geral. Isso pode levar à depressão, ansiedade e outros problemas de saúde mental. Eles também acabam tendo mais dificuldade em cuidar de si mesmos e podem ser vítimas de violência física, emocional ou financeira. Além disso, enfrentam grande dificuldade em encontrar emprego, participar de atividades sociais ou acessar serviços públicos. Para combater esse preconceito etarista, é preciso conscientizar a população sobre a importância dos idosos para a sociedade e promover o respeito e a inclusão.

A invisibilidade dos idosos é um problema presente em diversos países, mas sua gravidade varia de acordo com o contexto social, econômico e cultural de cada um. Em alguns países desenvolvidos, como os nórdicos, existem políticas públicas robustas que garantem a qualidade de vida dos idosos. Esses países investem em saúde, educação, renda e moradia para os idosos, além de promover sua participação social e econômica. Em outros países, como os em desenvolvimento, a situação dos idosos é mais precária. Nesses lugares, os idosos frequentemente não têm acesso à saúde de qualidade, renda digna ou moradia adequada. Além disso, podem ser vítimas de preconceito e discriminação.

No Brasil, a situação dos idosos está em um ponto intermediário entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. O país possui alguns programas sociais que beneficiam os idosos, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC). No entanto, esses programas ainda não são suficientes para atender às necessidades de todos os idosos.

Combater a invisibilidade dos idosos exige um esforço conjunto de toda a sociedade. É necessário que o governo, a sociedade civil e o setor privado trabalhem juntos para criar e implementar políticas públicas que garantam a qualidade de vida dos idosos. Essas políticas devem incluir acesso à saúde de qualidade, renda digna, moradia adequada, educação e oportunidades de participação social e econômica.

Apoiar as famílias que cuidam de idosos é um outro fator que precisa de atenção. Essas famílias precisam de apoio e orientação para que possam cuidar de seus familiares de forma adequada. Isso pode ser feito por meio de programas de apoio familiar, grupos de apoio e serviços de cuidadores profissionais.

E por que não trazer o jovem para mais perto dos idosos? Promover a interação entre idosos e jovens pode ser um aliado maravilhoso. Isso pode ser feito através de programas de voluntariado, atividades em escolas e centros comunitários e eventos intergeracionais. Lembro-me de quando era criança, e ganhávamos pontos em uma determinada matéria se aceitássemos o convite para fazer parte de um programa de visitas a asilos (claro que alguns colegas já demonstravam asco e aversão nas tais visitas) e, lamentavelmente, não noto mais esse tipo de incentivo em instituições educacionais.

É necessário investir em pesquisa para desenvolver novas tecnologias e soluções que possam ajudar os idosos a viverem com mais autonomia e independência. Alô, pessoal de inovação! Startupeiros! Fica a dica aqui para vocês.

Enfim, a invisibilidade dos idosos é um problema sério que precisa ser enfrentado por toda a sociedade. Através de ações conjuntas, podemos construir um futuro mais justo e inclusivo para os idosos brasileiros. Além das soluções mencionadas, é importante destacar que a mídia e a arte também têm um papel importante a desempenhar no combate à invisibilidade dos idosos, conscientizando a população sobre a importância dos idosos para a sociedade e combatendo o preconceito etarista. Permitir que idosos contem suas histórias e promover debates sobre os desafios e as oportunidades do envelhecimento são ações fundamentais.

Ao trabalharmos juntos, podemos construir uma sociedade mais justa e inclusiva para todos, onde os idosos sejam valorizados e respeitados. Respeito definitivamente não tem idade.