Como qualquer indústria do globo, a moda é fortemente impactada pelo contexto social, político e econômico. Apesar do glamour, milhões de dólares envolvidos e da sensação de distanciamento muitas vezes explorada no mundo fashion, a moda é extremamente sensível ao cenário vigente.
Temos exemplos claros de tendências que revolucionaram o mundo da moda e foram diretamente fruto de eventos específicos. Desde o moletom na pandemia da COVID-19 ao New Look de Christian Dior no pós-guerra, que marcou os anos 1950.
Eventos sociais geram uma reação muito rápida na moda. Com a mudança do compasso temporal, da ansiedade latente que vemos hoje, essa reação tende a ser ainda mais veloz.
Antes da massificação das redes sociais, a moda que surgia no luxo das camadas abastadas chegava às classes sociais mais baixas com morosidade, e, quando o fazia, ainda mais tempo era adicionado à conta para que chegasse às araras de uma loja acessível.
Hoje, bastam alguns poucos vídeos curtos viralizados para uma possível tendência não só alcançar públicos diversos como chegar às lojas que atendem a esse público. Diante dessa relação direta, temos não só a moda como campo de estudo através da antropologia, economia e ciências políticas, como a possibilidade de prever tendências ou ao menos entender o que está por trás do que vestimos.
Vivemos há quase 5 anos uma pandemia com consequências ainda vivas. Quando olhamos o recorte da moda nesse contexto – deixando claro que a saúde pública é o contexto que mais precisa de atenção – é possível entender toda a narrativa desenvolvida.
Tivemos o boom dos moletons para atender uma população que, além de recolhida, estava sem saúde mental e razões para pensar em aparência. Dois anos depois, quando a situação começou a apresentar evolução, tivemos o festival das cores.
A moda dopamina tomou conta do TikTok e do street style, trazendo consigo a sensação de estar vivo. E, assim como todos os períodos depois de uma tendência elevada ao máximo, o mercado saturou. Em pouquíssimo tempo, o bege era o tom das araras e, como uma evolução ao seu caráter “discreto”, o quiet luxury, contraditoriamente, chegou para todos.
Recentemente, os tapetes vermelhos de Hollywood têm tido uma característica em comum: a falta de joias. Celebridades não têm usado peças suntuosas para adornar os looks.
Toda celebridade tem um guia muito claro de comportamento. Assessores, relações públicas, estilistas e outros profissionais constroem a imagem a ser carregada pelo artista.
Na busca por se conectarem com as “pessoas normais” e não parecerem uma figura tão distante, não digna de engajamento, a adoção de um look ostentação em um momento de recessão, guerras e alertas climáticos pode ser uma decisão não acertada.
Bom, temos comportamentos repetitivos como padrão, ferramenta que nos permite uma análise crítica, e temos um contexto social a ser observado. Fim do mundo?
Duas guerras absurdas tomam conta dos noticiários, eventos que inclusive fortalecem a polarização política também presente no contexto global. Tivemos uma pandemia com proporções que há muito tempo não se via.
Mudanças climáticas que deveriam preocupar a todos: ondas de calor intensas, descolamento de geleiras, desmatamento, um nível acima da média de animais em risco de extinção e frequentes desastres naturais. O cenário é cataclísmico e já vemos profundas mudanças no estilo de vida.
Em uma pesquisa representativa recente no Brasil, realizada pelo PiniOn e Questtonó, feita com jovens de 18 a 34 anos, 34,3% dos respondentes declararam não querer filhos e metade desse público afirmou que essa decisão é baseada em discussões sobre o futuro do planeta. Ainda nesta pesquisa, 68,1% dos respondentes declararam preocupação máxima com o futuro do planeta.
Para quem vive e estuda a indústria da moda, essa realidade precisa ser considerada. Como isso já está afetando o mercado? Vai haver espaço para a moda se essas discussões ficarem ainda mais relevantes? O que será do mercado a médio e longo prazo?
Tendo como base momentos difíceis já encarados na história da humanidade, acredito que a moda tem um grande poder de regeneração e, sobretudo, um caráter escapista e artístico para momentos complicados.
A previsão de faturamento para o mercado também é otimista: cerca de 1 trilhão de dólares (MICBR). Ainda assim, é mais do que válido entender como a indústria se relaciona com as crescentes problemáticas políticas, econômicas e ambientais.