Todos os que acompanham fervorosamente o futebol alemão sabem que a Alemanha possui uma das ligas de futebol mais ricas do mundo e é um atrativo para todos que gostam de assistir um bom jogo de futebol com promessas de muitos gols. A liga concentra uma grande tradição, seja ela pelos clubes alemães, pelos torcedores ou pelo regulamento conservador, o que mantém os clubes e suas administrações sob um duro regulamento administrativo e financeiro, com regras rígidas e democráticas a todos os clubes da primeira e segunda divisões.
E é justamente o regulamento, a não aceitação dos clubes e torcedores que torna a Bundesliga uma liga fechada e burocrática para investidores estrangeiros, diferente de outras grandes ligas na Europa como a Premier League (Inglaterra), La Liga (Espanha) e Série A (Itália). O regulamento da Bundesliga dificulta a entrada de empresas e países estrangeiros para compra, financiamento e associação com clubes alemães, porém há empresas estrangeiras que fazem o patrocínio de clubes, o que por vezes é motivo de reclamações por alguns setores das torcidas de alguns clubes alemães.
O sportwashing e o modelo de Clube-Estado que ficou mais visível após a década de 2010 nas outras ligas europeias e também em megaeventos esportivos, e a Alemanha se manteve fechada para a entrada destes investimentos que em sua maioria são de países do Oriente Médio e Ásia. Porém a Bundesliga é o paraíso dos clubes-empresas, subsidiárias e naming-rights, casos como o Bayer Leverkusen, RB Leipzig, Borussia Dortmund, Bayern de Munique, Wolfsburg e de tantos outros clubes que são clubes-empresas ou que possuem grandes empresas como subsidiárias.
Empresas de todos os ramos como a Bayer (química e farmacêutica), Red Bull (bebidas energéticas), Allianz (finanças e seguros), Volkswagen (montadora de veículos) entre outras grandes empresas estão por trás da maior parte de clubes alemães. Além do fato de que é raro ver algum clube que não tenha vendido os naming-rights de seu estádio para obter alguma receita financeira, dos 18 clubes que disputam a primeira divisão da Bundesliga 23-24 apenas o FC Union Berlin (Stadion An der Alten Försterei) e o Borussia Mönchengladbach (Borussia Park) não venderam os naming-rights de seu estádio.
A Bundesliga possui um código de conduta em seu regulamento, a regra do 50+1 estabelecida pela Federação Alemã de Futebol onde é definido que para se competir na Bundesliga uma empresa ou um acionista não pode ter mais de 50% do poder decisório num clube, ou seja, parte das decisões e capital permanecerá no clube, porém permite com que ele possa ultrapassar essa porcentagem nos direitos econômicos, se tem ressalvas em alguns casos, como os de clubes que foram fundados por grandes empresas há mais de 20 anos.
Essa regra na Bundesliga é o que reprime a presença de possíveis investidores estrangeiros na liga, o que para alguns setores do futebol alemão é motivo de reclamações, porém a regra é bem aceita pelas torcidas e dirigentes dos clubes. Em março de 2023, a DFL (Deutsche Fußball Liga) que regula a Bundesliga, aprovou com unanimidade o endurecimento da regra do 50+1, onde as exceções da regra não serão mais permitidas dentro das Bundesliga 1 e 2, antes disso tínhamos exceções como o de Dietmar Hopp, dono do Hoffenheim que já foi alvo de protestos por parte de outras torcidas durante os jogos. Bayer Leverkusen e Wolfsburg também estão dentro dessa exceção, o caso do RB Leipzig não está claro se o clube opera dentro dessa exceção.
Porém em dezembro de 2023 a DFL reuniu e aprovou juntamente com os 36 clubes da primeira e segunda divisões da Alemanha para anunciar a aprovação da entrada de investimento estrangeiro privado na Bundesliga 1 e 2 em troca de cerca de 8% dos direitos comerciais. O private equity é um modelo de investimento que é bem visto em outros esportes e em outros campeonatos, presentes nos EUA, no Brasil e em alguns países na Europa, vem ganhando notoriedade no futebol. É um modelo que permite com que os investidores façam investimentos para participação em empresas que não são negociadas publicamente e que não estejam na Bolsa de Valores, mas ainda com o mesmo objetivo de gerar retornos valorosos.
A decisão elevou os ânimos dos torcedores que não aprovaram a decisão e iniciaram os protestos durante os jogos e nas redes sociais. As manifestações se iniciaram com protestos silenciosos nos estádios, e era possível ver as torcidas estendendo faixas em protesto contra a decisão. Porém após algumas rodadas, os torcedores começaram a jogar objetos no campo durante as partidas, o que paralisava os jogos. Torcidas atiravam uma quantidade significativa de moedas de chocolate em alusão ao dinheiro, bolinhas de tênis como forma de comparar o futebol ao tênis, o que para muitos é visto como um esporte elitista. Torcedores atiravam aviãozinhos e carrinhos de controle remoto com fumaça no campo durante os jogos, o que provocou o atraso ou paralisação de jogos.
Os protestos eram principalmente por serem contra uma maior comercialização no futebol alemão, receios de influências ‘negativas’ dentro dos clubes, e principalmente por receio de que os investidores poderiam acabar com a Regra do 50+1, o que foi refutado pela DFL em janeiro de 2024. Segundo a DFL, os investimentos estrangeiros não iriam e não poderiam influir negativamente na regra do 50+1, nem na estrutura dos campeonatos como os horários das rodadas e partidas, preço dos ingressos e outros pontos.
As torcidas não descansaram e a pressão continuou até o final de fevereiro de 2024, quando a DFL anunciou abruptamente o abandono do acordo de vender os direitos comerciais das Bundesliga 1 e 2 por conta de todos os protestos. A vitória de todas as torcidas da Alemanha ecoou nos estádios e em algumas partidas era possível ainda ver protestos.
De fato foi uma decisão que mexeu com os ânimos de todos que gostam de futebol alemão, o campeonato alemão é um exemplo a ser seguido em questões de regras e regulamentos financeiros, o que diminui a presença de investidores estrangeiros e diminui a possibilidade de ver países por trás de clubes de futebol praticando o sportwashing como é comum ver nas ligas francesa, inglesa e italiana. Porém há os que aproveitam do patrocínio para praticarem o sportwashing, como é o caso recente de equipes como o Bayern de Munique e o acordo fechado com o Conselho de Desenvolvimento de Ruanda pelo “Visit Rwanda”, ou casos mais antigos do Borussia Dortmund, Schalke 04 e outros clubes.
Para muitos a incrível invencibilidade do Bayern de Munique desde da temporada 2012-13 até a edição passada 2022-23 faz da Bundesliga um campeonato previsível e chato, porém a Bundesliga é palco de partidas, clubes e torcidas incríveis, além da tradição extraordinária que é apresentada toda temporada.