A linguagem, durante séculos, tem sido estudada por diversos campos do conhecimento, pois é por meio dela que nos comunicamos, seja verbalmente, por intermédio de gestos ou atitudes, que nos afirmamos como indivíduos e nos posicionamos na sociedade.

O desenvolvimento linguístico do homem permitiu transmitir importantes conhecimentos descobertos, por meio da experimentação, a seus descendentes, bem como crenças e valores importantes para a evolução da humanidade.

Ao longo do tempo, o domínio da linguagem passou a ter o caráter de poder, pois quem a dominava plenamente ascendia socialmente e recebia o status do qual, até o presente momento, imputamos: fala bem que é inteligente!

Embora de fato haja correlação do desenvolvimento lexical com a cognição, a inteligência engloba diversos outros componentes além da linguagem e, sobretudo, da fala. O fato é que há séculos, a linguagem é utilizada como forma de poder de classes dominantes em relação a classes menos favorecidas.

Pierre Bourdieu1, sociólogo francês, em seus estudos, buscou romper com o pensamento científico clássico do senso comum de forma sistemática (e quase compulsiva). Assim, tornou-se uma das grandes personalidades da sociologia e seu nome reverbera até os dias atuais em diversos segmentos das pesquisas acadêmicas.

Entre as competências adquiridas estudadas por Bourdieu está a interação e a linguagem, cujo sociólogo classifica como elemento fundamental para estabelecer a relação entre poder e língua e de como a maneira de empregar os recursos linguísticos podem influenciar a sociedade em diversos aspectos, por meio de normatizações criadas pelas classes dominantes para persuadir as classes menos favorecidas, perpetuando a desigualdade social e, sobretudo, a segregação linguística. Para Bourdieu:1

O poder da linguagem estabelece a posição social dos indivíduos dentro do contexto social por intermédio de um mercado linguístico, em que cada maneira de falar é direcionada para um determinado público.

Em relação às interações sociais, em sua teoria o autor declara que as interações se baseiam, principalmente, em uma relação direta com a língua; no entanto, essas interações se encerram em determinado momento, devido aos processos que ocorrem de maneira oculta e desigual. Portanto, há uma relação entre dominador e dominado que atuam neste mercado linguístico. O mercado linguístico, para Bourdieu, tem como característica o predomínio de uma língua padrão e obrigatória em espaços oficiais.

Ainda segundo a teoria, o processo de dominação é desenhado pela sociedade por meio do habitus, ou seja, o falante é conduzido a seguir determinadas regras e padrões sociais impostos ao qual deve adequar sua linguagem, de acordo com o ambiente ou a classe social à qual está exposto.

Transferindo este cenário para a atualidade escolar, por exemplo, temos a criança que adentra a instituição já com o seu vocabulário limitado, devido à baixa interação conversacional na primeira infância, advindo de uma família que viveu as mesmas condições limitadas de interação conversacional. Bourdieu, então, observou que a criança acabava, muitas vezes, reprimindo-se e evitando a oralização e a escrita por medo da ridicularização.

No processo que conduz à elaboração, legitimação e imposição de uma língua oficial, o sistema escolar cumpre a função determinante de 'fabricar' as semelhanças das quais resulta a comunidade de consciência que é o cimento da nação".1

Outro aspecto desenvolvido em sua teoria, Bourdieu aponta o conceito de Capital Linguístico. Segundo o autor, o capital linguístico refere-se a uma espécie de validador de acordo com a posição do falante, em outras palavras, seria como se o aluno desse uma ordem ao professor; no entanto, devido à posição social do professor como superior, a ordem estaria invalidada.

Assim, partindo do contexto social, podemos analisar a linguagem em sua amplitude e qual é sua importância na interação social e de como, literalmente, palavra é poder.

Notas

1 Bourdieu, P. A economia das trocas linguísticas: o que falar quer dizer. São Paulo: Edusp, 1996.