Em Bones of the Men (Ossos dos homens), Giangiacomo Rossetti apresenta, entre outras obras, pinturas de si mesmo. Ele incorpora sua imagem — e a imagem de pessoas próximas — em uma combinação de composições que referenciam mestres renascentistas, Arnold Böcklin e os pré-rafaelitas. Ao repintar essas imagens que já foram extensivamente estudadas, o artista reivindica sua posse. Rossetti reconfigura essas aclamadas composições habitando-as com sua própria presença, com sua própria imagem. Sem muita convicção, sua audácia fica encoberta por uma grande dose de adulação. É bem aqui o ponto onde Rosetti se separa de sua matriz clássica. É aqui que ele corta a corda.
Seu gesto infiltrante reanima as imagens flutuantes da história, exaurindo-as de seu significado original, ou talvez sobrecarregando seu significado. De qualquer forma, ele força seu valor simbólico até o ponto de fração. Repetidas vezes, o artista disseca e recontextualiza a idolatria da pintura. Ele corta a garganta desses paradigmas e as coze de novo, formando sua Lilith Frankensteiniana. E, como resultado, esses parricídios repulsivos instauram uma visão subjetiva da genealogia da arte, comprometida com a disseminação da evolução não linear da pintura. Gestos cambaleiam de forma precária. Cada movimento é tão preciso quanto seu tratamento da história é dolorido, e por consequência as pinturas agem como aparelhos mnemônicos, que rompem os dedos do passado, forçando suas articulações até a contemporaneidade.
Por meio dessas amalgamações, Rossetti considera o autorretrato, dispondo-o como o mais objetivo dos temas. O artista enfatiza a sempre presente questão da subjetividade e questiona se o autorretrato é, de fato, o mais honesto dos mecanismos disponíveis. Será a autoficção algo mais do que uma forma descarada de realismo? Podemos falar com veracidade sobre alguém que não nós mesmos?
Ao levantar questões sobre a verdade, a posição do artista pode ser confundida com moralismo. No entanto, apesar de sua tendência escorregadia, a produção de Rossetti não pode ser reduzida a esse ponto. Sua audácia evoca o trabalho de Luigi Ontani que durante décadas camuflou seus autorretratos como representações de figuras como Dante ou Jesus. Em seu caso, a ilusão de grandiosidade pode ser percebida como uma ferramenta de transgressão do cânone ocidental, o que não é o caso de Rossetti. No entanto, no final, o ímpeto é o mesmo. A transferência para o presente é uma tentativa de frustrar o mandato do passado; de trazer o impulso da história para o aqui e agora; de facilitar um encontro trans-histórico com o eu, o outro primordial.
O truque de Rossetti está nessa transmissão frágil, e facilmente ignorada, que investiga a ambivalência do destino. Quanto mais drama ele invoca, mais ele empurra o outro primacial da pintura – o espectador – para dentro de um espaço lúcido de sonho. Os trabalhos pendulam entre algo que é sinteticamente escuro e uma luz que brilha de forma cientológica. Sua ambivalência contém contrastes definidos. Ela representa, de maneira atípica e desajustada, como a ambição humana sempre trabalha contra e a favor de si mesma, levando uma pessoa a matar outra e, ao mesmo tempo, atraindo compaixão.
Rosetti traz suas figuras para perto, quase até o nariz. Elas compartilham o horizonte, pertencem a algo. Elas fazem caminhadas longas. Dão as mãos. Guardam segredos porque isso importa. Elas se preocupam. Mas mesmo que o grande propósito seja estar junto, mesmo que duas pessoas sejam o destino de cada uma, a distância entre seus corpos, suas mentes e sensações as mantêm separadas. Dois sujeitos são sempre dois objetos opostos. É inevitável que perspectivas individuais se encontrem na encruzilhada de seus desejos convergentes. Há um fim em felizes para sempre.