«Organiser un système de choses sensibles qui possède cette propriété,
c’est là l’essentiel du problème de l’Art;
condition nécessaire, mais fort loin d’être suffisante».(Paul Valéry)
O poeta e ensaísta Paul Valéry publicou, em 1935, um texto a que chamou Notion générale de l’art. Neste texto, tenta responder a uma questão que se impunha no momento em que as vanguardas históricas já se tinham dissipado, mas cujos contributos continuavam a prosperar e a incomodar um universo que, pelo menos até ao século XIX, estava em conformidade com o cânone estabelecido muito cedo no Ocidente. Sabia-se bem o que era arte até que o mundo se deparou com as novas tecnologias de produção da imagem, como a fotografia e o cinema, e com a desconstrução da própria noção de objeto artístico, instaurada pelo gesto niilista do Dadaísmo.
Passado mais de um século sobre o aparecimento quer das novas tecnologias, quer dos primeiros movimentos de vanguarda, a questão a que tenta responder Valéry continua procedente e, muitas vezes, sem resposta. Ou, pelo menos, sem uma resposta unívoca capaz de satisfazer a todos. Sobretudo após a entrada em cena das tecnologias computacionais que, rapidamente, foram absorvidas por artistas de diversa ordem que se apropriaram do universo maquínico, invertendo o seu sentido primitivo e utilitário, tornando a máquina “inútil”, ou seja, transformando-a, segundo Valéry, num objeto artístico: “Le caractère le plus manifeste d’une œuvre d’art peut se nommer inutilité (…)”.
O poeta francês segue assim um dos princípios aventados pelo filósofo Immanuel Kant que, já no século XVIII, defendia a inutilidade da Arte como sendo uma das suas características fundamentais. Ora, falar da inutilidade, quer num quer noutro caso, não é, de maneira alguma, desvalorizar a Arte em si, mas, pelo contrário, estabelecer uma diferenciação entre os objetos dentro de um mundo de objetos com características e fins tão diversos. Neste sentido, acredito que a arte, no universo computacional/maquínico, só pode requerer este estatuto, ser arte, se romper com a ideia que circunda este mesmo universo, ou seja, – o da sua inserção no mercado, na indústria, no tecido económico-empresarial, enfim, no mundo dos objetos com finalidades, e preços, bem definidos. A arte pode assim ser concebida como um gesto de rotura profunda com o mecanicismo do fazer com vista a qualquer coisa. A arte é um gesto criador que se basta e, como tal, que se recria e se reinventa, em qualquer momento da História sem se importar com as ferramentas ou o suporte, mas com a sua essência de ser inútil.
A obra de Pedro Alves da Veiga, que vemos nesta exposição, é fruto de uma investigação, ou melhor, de uma inquietação constante do seu autor, que procura, através da tecnologia, desenvolver objetos que dialoguem com o público, mas também dialoguem com a noção vigente de arte dentro de um sistema de exibição e de consumo, de usos e de reflexão. O artista escolhe, dentre as muitas possibilidades da criação digital, a arte generativa, em si mesma um processo infinito de múltiplas e indeterminadas escolhas e combinações. Infinitas dentro da nossa capacidade limitada de perceber as variações, e repetições, do algoritmo. É-nos proposto interagir com as obras, que neste sentido funcionam connosco e em presença, mas que trazem já, dentro de si, a memória viva do seu autor, os elementos primais que, para ele, fazem parte do ser artista, a capacidade de transformação, a possibilidade de transmutação que só a verdadeira arte é capaz de proporcionar.
Como diz Valéry, “l’ART, (…) est la qualité de la manière de faire (quel qu’en soit l’objet), qui suppose l’inégalité des modes d’opération, et donc celle des résultats, – conséquences de l’inégalité des agents.” A arte é um modo de fazer que supõe agentes desiguais e resultados diferentes, e dentro de um sistema, que está limitado pelas suas contingências, a arte é um modo de desfazer o mundo dos objetos, transformando os gestos mais quotidianos em autênticos gestos de criação e de re-volução permanentes.