O filme-ensaio Sauerbruch Hutton Architects (2013), da autoria de Harun Farocki (1944-2014), observa a prática da arquitetura contemporânea a partir de dentro para questionar as expressões emergentes do capitalismo e a participação pública no processo de concepção e contrução do mundo em que vivemos.

O estúdio alemão é filmado entre o dia 10 de Junho e o dia 5 de Outubro de 2012. Durante quatro meses Harun Farocki e a sua equipa filmam todos os detalhes do trabalho dos vários arquitetos e das reuniões informais efetuadas dentro e fora das portas do estúdio, de modo a analisar uma forma de expressão do capitalismo na cultura contemporânea.

O plano inaugural manifesta, de imediato, a intenção do filme: observar atentamente a prática quotidiana de um estúdio de arquitetura. Neste filme, a arquitetura simboliza a capacidade humana para dar forma, transformar e configurar o mundo. Ao entrar num estúdio de arquitetura, Farocki busca compreender como é o lugar onde são pensadas as cidades, as habitações em que crescemos, os locais onde trabalhamos, as escolas onde aprendemos e os hospitais onde nos curamos.

O método empregue pelo realizador é observar como tudo é feito dentro de um estúdio de arquitetura. Com recurso a uma estrutura de campo e contracampo simples, procura obter um olhar rigoroso e total sobre a prática e os praticantes da arquitetura contemporânea. Todos os intervenientes são filmados, incluindo os funcionários que limpam o estúdio à noite e o florista que, semanalmente, substitui as flores da entrada do estúdio. O principal foco da atenção são as pessoas que criam as maquetas, que se movimentam entre elas, que as transportam e arrumam nas salas de reuniões, onde as discussões são feitas, como se tudo não passa-se de um cenário de teatro, em que os colaboradores e empregados do estúdio são actores. É interessante notar que existe uma hierarquia entre todos os intervenientes, que oscila consoante o poder de decisão de cada um deles dentro do estúdio. Há protagonistas e atores secundários e Farocki observa o modo como interagem uns com os outros.

A tentativa de observar e compreender tudo poderá, à primeira vista, baralhar o espectador. No entanto neste filme é tão importante o que é filmado como o que não é filmado. Durante uma reunião de obra em que são discutidas as cores finais a adoptar para a University Building, em Potsdam, Louisa Hutton (fundadora do estúdio) afirma: we found your criticism very helpful. We then had to re-think and re-work the concept, and such projects are always collaborations. The architects or planners aren’t alone, it’s a conversation between users, contractors and ourselves. A process of dialogue (01:11:39-01:12:01). Apesar de todos os projectos serem públicos e/ou de uso/interesse colectivo, é justamente a participação pública o que não vemos no decurso dos 71 minutos de filme. Ao terminar com esta frase, o filme revela-se com ironia, pois, conforme podemos ver, a prática da arquitectura contemporânea assenta num trabalho individual, discutido a poucas vozes do interior dos estúdios de arquitetura, eliminando a possibilidade dos cidadãos participarem na concepção das suas cidades e estruturas urbanas tais como hospitais, escolas, museus, praças e ruas. Os arquitectos detêm a exclusividade de serem os principais definidores das formas, matérias e cores das cidades, desde as ruas, praças e largos aos puxadores de portas e janelas.

Este filme revela a prática da arquitetura contemporânea desligada dos valores que historicamente motivaram a sua existência e ainda modelam a maioria das cidades europeias: a urbanidade, isto é, a possibilidade de construir uma vida melhor em comunidade. Partindo do reconhecimento de que é possível entender o Homem através das coisas que constrói, do modo como constrói e organiza o mundo em que vive, a arquitectura vista pelo filme Sauerbruch Hutton Architects (2013) é confronta da com a visão da sua própria prática contemporânea e a imagem que surge nesse espelho é a de todos nós. Farocki questiona e discute o Homem e a Vida contemporânea no interior da toca do lobo: um estúdio de arquitectura.

Bibliografia

Farocki, Harun. The Creators of Shopping Worlds. Harun Farocki Filmproduktion, 2001.
Farocki, Harun. In Comparison. Harun Farocki Filmproduktion, 2009.
Farocki, Harun. Sauerbruch Hutton Architects. Harun Farocki Filmproduktion, 2013.
Markopoulos, Gregory. Film as Film: The Collected Writings of Gregory J. Markopoulos. London: The Visible Press, 2014.
Pallasmaa, Juhani. The Architecture of Image: Existencial Space in Cinema. Helsinki: Rakennustieto Publishing, 2008.