Estava pronta para redigir um artigo com um tema totalmente oposto quando fui pega por uma questão que, na maioria das vezes, gera grandes polêmicas: o bom senso. Não tenho a pretensão de ocupar o lugar de filósofos, sociólogos ou psicólogos, mas a ideia de explorar a importância desse tema sempre me fascina nas rodas de conversa das quais participo.
Já imaginaram quão valioso é ter a capacidade de avaliar diferentes opções e agir com prudência, justiça e adequação? Seria o bom senso uma forma de inteligência emocional? Um exercício profundo de humildade? O que é isso, afinal? A partir de quantos anos uma pessoa consegue fazer bom uso de sua intuição, discernimento e experiência acumulada ao longo do tempo? Não se trata apenas de obedecer às normas e regras sociais; é uma alquimia bastante sutil e complexa.
Uma rápida analogia seria imaginar o bom senso como nossa bússola diária, mas quais são as implicações de viver nesse "modo de alerta" incessantemente? Entendo que, acionando nossa razão e sensibilidade, evidentemente, promovemos mais segurança e bem-estar para todos e, principalmente, facilitamos nossa comunicação, empatia e resolução de conflitos. Falando em comunicação, não podemos deixar de lado a alternativa de integrar princípios de Comunicação Não Violenta (CNV) – conceito desenvolvido pelo psicólogo Marshall Rosenberg – como uma ferramenta valiosa. A CNV nos ensina a identificar e expressar nossas necessidades de maneira clara e não acusatória, enquanto também nos capacita a ouvir ativamente as necessidades dos outros. Magnífico, não é verdade? Nesse contexto, ao nos esforçarmos para aprimorar nosso discernimento e sabedoria prática, o exercício da CNV pode ser uma ferramenta poderosa para lapidar nossa capacidade de navegar nas complexidades das relações humanas com compaixão e entendimento mútuo.
A boa notícia é que, segundo pesquisas, estamos a salvo. Nosso "navegador" pode ser desenvolvido e aprimorado por meio da autoconsciência e reflexão. Que maravilha! Toda vez que paramos para analisar nossas ações e experiências, podemos aprender lições valiosas. Notem que a grande maioria das pessoas de bom senso apresenta algumas características em comum, como: escuta ativa, muita ponderação antes de agir, armazenamento e acúmulo de suas próprias experiências e uma mente aberta o suficiente para considerar diferentes pontos de vista, reavaliando assim suas próprias crenças e suposições.
Nos ensejos para a virada de ano solar de meus amigos, procuro terminar desejando que seu próximo ano seja de ainda mais sabedoria, presumindo que para se ter tudo o que se quer, basta ter essa tal erudição. Novamente, o uso do bom senso se torna essencial em nossa busca para este próximo estágio.
Durante minhas buscas, descobri que já é possível quantificar o bom senso tanto a nível individual quanto coletivo, graças aos professores Duncan Watts e Mark Whiting. O estudo entrevistou 2.000 participantes, e 4.407 afirmações de bom senso, provenientes de diversas fontes, foram utilizadas, tais como: “A percepção é a única fonte de conhecimento; o que não é percebido não existe”, “A grosseria é a imitação da força do homem fraco”, “Triângulos têm três lados”, “Os números não mentem; devemos sempre confiar na matemática”, “Todos os seres humanos são criados iguais” e “Evite contato próximo com pessoas doentes”. Para descobrir as associações, foram usados testes para avaliar a capacidade de uma pessoa em ignorar seus instintos e outro para avaliar a capacidade de reconhecer e compreender o estado mental de outra pessoa. Obviedades e aforismos nem sempre foram considerados como bom senso durante os estudos. Evidentemente, e aqui já me observo na prática, fatores demográficos como gênero, nível de rendimento e preferências políticas não estavam ligados ao bom senso.
Por outro lado, uma vez li um artigo curioso onde o professor de sociologia Tim Delaney indica a importância da tradição, da fé e do pensamento racional (e esclarecido) como referências de bom senso. Já pensaram nisso? Em seu livro Common Sense as a Paradigm of Thought: An Analysis of Social Interaction, ele explora as fraquezas e limitações de cada arquétipo de pensamento, chegando à conclusão de que não é o bom senso que deve prevalecer. Qual seria o equilíbrio, então? “Oh dia! Oh vida! Oh céus!”
Um parêntesis sobre a conclusão de Delaney. Ainda não me sinto completamente confortável para aceitar que, muito em breve, até mesmo nosso bom senso poderá ser substituído. Quais serão os limites da atuação da inteligência artificial neste discernimento? Acho intrigante confiarmos mais em sistemas automatizados e algoritmos como forma de atendimento, por exemplo, no lugar do bom senso do atendimento humanizado. Para onde irá nossa capacidade de exercer toda a ponderação humana? Como será atribuída a responsabilidade quando uma decisão automatizada acarretar consequências negativas? São dúvidas seguidas de mais dúvidas e que certamente exigem uma reflexão cuidadosa e um diálogo aberto entre especialistas em ética, tecnologia e sociedade. Enquanto caminhamos por um mundo cada vez mais impulsionado pela tecnologia, é essencial manter uma consciência crítica sobre o papel que queremos que a IA desempenhe em nossas vidas e como podemos garantir que ela complemente – em vez de substituir – nossa capacidade de exercer o bom senso e a sabedoria prática. Não me atreveria a nem mesmo imaginar qual é o tempo de distância que as máquinas poderiam estar de atingir o bom senso. A ideia simplesmente me petrifica.
Finalizo com a teoria do escritor e filósofo inglês Gilbert Keith Chesterton (1874–1936), de que nunca devemos destruir algo, mudar uma regra ou alterar uma tradição sem compreender por que ela foi criada. Tão óbvio e tão distante. Esse apelo à reflexão e compreensão antes de agir ressoa profundamente com a busca pelo bom senso e pela sabedoria prática discutidos ao longo deste artigo. Reconhecer a importância do conhecimento e da compreensão do contexto histórico, cultural ou social é fundamental não apenas para entendermos o mundo ao nosso redor, mas também para agirmos com prudência, justiça e sensibilidade em nossas interações diárias.