Querer e não querer, gostar e não gostar são vivências cada dia mais comuns e expressas, por exemplo, em relacionamentos amorosos mantidos na divisão, em dúvidas sobre que curso universitário fazer, qual profissão seguir, se continuar ou não em determinado emprego, se mudar ou não de cidade ou país, se querer ou não ter filhos. Enfim, são inúmeras situações que se apresentam como opções em resposta às dificuldades individuais.
Sob o ponto de vista psicoterápico, sempre que existe divisão, há quebra e descontinuidade. Quando os contrários convivem simultaneamente e o antagonismo se instala, surge a divisão. Estar dividido é, no mínimo, se equilibrar com cada pé em uma canoa flutuante. Insegurança e instabilidade são instaladas. Nesse contexto, quando nos determinamos a realizar um desejo ou uma motivação, nos desequilibramos, pois o desejo é uma das resultantes da divisão.
A insegurança cria o estado de dúvida. Não se sabe se o melhor é o que se quer ou o que não se quer, se o que se percebe é o que está diante de si ou o que se atribui existir. A constatação — ou perceber que percebe — fica minada pela invasão de outras vivências, e essas outras constatações criam dúvidas, pois estabelecem comparações. No caso específico, por exemplo, de gostar ou não gostar de alguém, o que é adicionado é: vale a pena? Há reciprocidade? Essa mistura de constatações e dúvidas resulta de estruturas divididas e fragmentadas. Não havendo coesão, não existe unidade. Sem unificação, sem estrutura de aceitação do estar no mundo com os outros, com limites, possibilidades e impossibilidades, o indivíduo se transforma em um descontextualizado conjunto de situações, impressões e sentimentos a apaziguar.
Esse quebra-cabeça se torna cada vez mais insólito. Não há critérios para aprovação; nada se assemelha. “Será que as peças se agrupam pelas cores? Será o desenho, o formato?” O enigma dos enigmas é montado. O que satisfaz os requisitos de uma situação nega e agride os de outra. A falta de critérios e a dúvida decorrem das estruturas descontínuas, do estar no mundo apoiado nos outros. São o apoio, as garantias e os medos que demandam respostas. Ser agradável, bom e satisfatório dentro de seus critérios é justo o oposto quando observado em outro parâmetro. Desse choque e dessas crises surgem o gostar, tanto quanto o não gostar, as cogitações sobre se vale a pena pagar qualquer preço ou abrir mão.
Estruturas psicológicas fragmentadas e vivências temporais neutralizadas pelo desejo, nas quais o amanhã é hoje, ou neutralizadas pelo medo, no qual ontem é agora, são elucidativas desse gostar e não gostar, desse querer e não querer, poder e não poder. Toda vez que o presente, o que se vivencia, é contextualizado em outras estruturas que não as do mesmo presente vivenciado, surgem segmentações representadas por suas contradições e expressas nas mais diversas divisões.
A literatura, o cinema e a arte em geral têm sua matéria-prima principal nas contradições humanas. Trata-se do reino da dúvida, assim como da certeza além de qualquer parâmetro. É Hamlet (“ser ou não ser”), é Medeia (“são meus filhos ou são meus objetos de vingança”), são todos os personagens cotidianos: a vizinha, o porteiro, o motoboy, o político.
A dúvida e a divisão só são resolvidas por meio de questionamentos. Assim, as perguntas revelam as verdadeiras motivações, e as respostas das questões não são mais “gosto ou não gosto”. A questão agora é entender e enfrentar as próprias intenções, desejos e propósitos: vale continuar garantindo a minha sobrevivência e abrir mão da minha satisfação, por exemplo? Vale apostar no meu futuro, abandonando meu presente? Tudo depende do que eu faço e do que eu não faço. Essas perguntas e esses questionamentos já se constituem em respostas universais a situações específicas nas quais se pode observar uma série de fatos, vivências e acontecimentos que muito esclarecem.
Quando esse questionamento não é feito, surge ansiedade como representação da necessidade de solução, ou angústia decorrente do medo de resolver, de não resolver ou de errar.
Quanto mais são mantidas as divisões, mais são aumentadas as fragmentações e mais é despersonalizado o indivíduo, chegando às vivências de vazio, tédio, depressão e desespero. Psicotrópicos usados servem para represar essa corrente que abate e arrasa, mas não resolvem as questões estruturais existentes. E quanto mais represam, mais desvios surgem, como a astenia, por exemplo, que é a falta de vontade, uma aparente cura da divisão com consequente desaparecimento da ansiedade, mas instaladora do despropósito do estar no mundo com os outros.
A única saída para a divisão é a restauração da unidade, um longo processo de aceitação do estar no mundo com os outros, descoberta das próprias possibilidades e impossibilidades, assim como das metas, ambições, medos e ilusões.