A emergência de uma sociedade globalizada e conectada levou a que pautas sociais como o racismo ou o machismo encontrassem uma vasta plataforma no online. Se por um lado a internet veio facilitar a divulgação e discussão destes temas, conectando pessoas, ideias e causas ao redor do mundo, por outro veio também perpetuar discursos de ódio relativamente a determinadas comunidades ou ideias.
Plataformas como o Tik Tok têm contribuído positivamente para o feminismo, permitindo que as mulheres possam compartilhar as suas histórias, ao mesmo tempo que promove a autoaceitação, a positividade corporal e o empoderamento. O Tik Tok também tem desempenhado um papel preponderante na desconstrução dos estereótipos de género, desafiando as normas sociais e culturais. Como ferramenta de divulgação, esta rede social tem sido fundamental para amplificar as vozes femininas relativamente a questões como igualdade de género, direitos reprodutivos e violência doméstica.
Não obstante, a existência de comunidades focadas no feminismo e no direito das mulheres pode não representar uma clara mudança na sociedade. Ou seja, apesar de educar e conscientizar as pessoas, os vídeos feitos no Tik Tok, e em outras redes sociais, podem ainda não ter um impacto abrangente na forma como a sociedade vê o problema.
Claro que o online é uma importante plataforma de divulgação da luta pela igualdade de género, no entanto, vemos que ainda é muito presente nas redes sociais, especialmente no Tik Tok, uma representação inadequada dos problemas que a mulher enfrenta, uma vez que, grande parte dos discursos presentes na plataforma apresentam práticas discursivas baseadas na hierarquização social e no estereótipo de género. Ao mesmo tempo, observamos uma romantização do feminino, o que pode ser prejudicial para a nossa luta, uma vez que perpetua a imagem da mulher como um ser frágil, dependente e subserviente.
No contexto das redes sociais, verificamos que as tendências mais recentes procuram romantizar o papel tradicional da mulher, enquadrando-as em determinados padrões patriarcais de comportamento. Ao mesmo tempo, a pressão social presente nestas plataformas leva a problemas de autoestima e saúde mental.
Destacamos neste contexto, os “Lazy Girl Jobs”, que descrevem todos os empregos caracterizados pela segurança, esforço mínimo, horários flexíveis, capacidade de trabalho remoto e boa remuneração. Apresentando-se como um plano de carreira alternativo ao plano tradicional, os “Lazy Girl Jobs” defendem o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. Embora possa ser apelativo à primeira vista, esta tendência apresenta várias questões. Para além de ignorar o privilégio associado a estes empregos (possibilidade de intervalos prolongados de almoço ou esforço mínimo nas tarefas realizadas), os “Lazy Girl Jobs” também podem minar o empoderamento feminino ao banalizar a importância dos trabalhos associados à mulher e ao rotulá-los como “preguiçosos”.
As questões levantadas por esta tendência precisam de ser analisadas à luz do contexto atual da evolução da cultura e do trabalho. Para as gerações mais jovens, o mais importante passou a ser o bem - estar pessoal em vez do sucesso empresarial, no entanto, precisamos de ter cuidado quando associamos termos com conotação negativa a determinados empregos, principalmente se estes são maioritariamente desempenhados por mulheres. Ademais, é essencial reconhecer o privilégio associado aos “Lazy Girl Jobs”.
Outras trends como “Girl Math” ou “Girl Dinner” embora possam parecer inofensivas, tendem a perpetuar estereótipos negativos sobre as mulheres. A “Girl Math” associa imediatamente os maus gastos ou a irresponsabilidade financeira à mulher, perpetuando o mito de que estas são más com dinheiro. Além disso, esta tendência pode afetar a autoestima e confiança das mulheres em relação às suas habilidades, assim como levar a uma falta de confiança na gestão das finanças pessoais.
O “Girl Dinner”, por sua vez, reafirma a ideia de que as mulheres devem comer menos e coloca expetativas surreais em cima da sua aparência. Esta tendência pode contribuir para o desenvolvimento de distúrbios alimentares como anorexia, bulimia ou compulsão alimentar, assim como pode levar a deficiências nutricionais, problemas de saúde física, baixa energia e falta de concentração.
Podemos ir ainda mais longe e falar do “body positivity” e do “girlboss culture”, assim como dos problemas associadas a estas tendências. A positividade corporal procura incentivar frequentemente as mulheres a se sentirem bem com os seus corpos, independentemente da sua forma ou tamanho. No entanto, os vídeos e imagens usados de exemplo ainda procuram atender aos padrões convencionais de beleza.
O mesmo acontece com a cultura do “girlboss”, tendência que ganhou popularidade nas redes sociais e que procura retratar as mulheres em posições de poder. Apesar de apelar ao empoderamento feminino, esta narrativa muitas vezes ignora as barreiras estruturais que as mulheres enfrentam no local de trabalho, incluindo as disparidades salariais, discriminação de género e falta de oportunidades que permitam um avanço na carreira. No geral, parece existir um desejo intrínseco em não crescer e enfrentar as responsabilidades da vida adulta. A expressão legitima da feminilidade no online é reduzida à figura da menina.
O Retrato do feminismo nas redes sociais pode ser contraditório. Por um lado, a plataforma contribui para a disseminação de discursos que perpetuam estereótipos e crenças machistas, diminuindo o valor da mulher; por outro, apresenta um papel cada vez mais importante na disseminação dos discursos políticos e sociais, empoderando os indivíduos marginalizados, que encontram nele uma voz.