Algumas poucas semanas atrás, conversava com um amigo muito querido sobre a importância do brincar nas escolas. Não, não falávamos sobre educação infantil. Tanto eu quanto ele construímos grande parte de nossas carreiras trabalhando no ensino fundamental e médio. Em determinado momento, ele, com muito pesar, fez a seguinte afirmação: “pois é, minha amiga, não há espaço para o lúdico nas escolas hoje”. Aquela fala me afetou de tal maneira que cá estou, a tentar refletir sobre ela.

De fato, parece que a brincadeira é permitida apenas até nos alfabetizarmos nas instituições escolares. Depois, brincar é “coisa para o recreio” e a sala de aula – que insiste em uma organização que remonta ao século XIX, quase sempre - é onde “aprendemos realmente”. Há muitos equívocos nisso: há muito aprendizado na hora em que estamos a brincar mais livremente, e a escola deveria estar atenta a como de fato captar elementos do chamado “intervalo”. Outro erro é pensar que ao entrarmos no mundo letrado, devemos pouco a pouco (e nem é gradualmente de fato) nos afastar da ludicidade para formalizarmos nossos conhecimentos. A formalização pode sim passar pelo brincar e ouso mesmo dizer: deve! Brincar não é apenas atitude de lazer e sim uma relação que se estabelece entre o mundo concreto e as abstrações necessárias ao lúdico: por isso é tão fundamental para o aprendizado escolar, que faz exatamente este movimento.

Realmente, na Educação Infantil, a brincadeira é vista como parte do currículo de forma mais integrada, pelo menos teoricamente. Infelizmente, ainda há muitas escolas que, ao invés de trabalhar através do brincar as habilidades fundamentais para a vida em sociedade e inclusive para ler – mais que apenas palavras e sim o mundo que nos cerca – estão, desde muito cedo, com crianças de 3, 4 anos, as fazendo treinar e treinar e treinar suas pequenas mãos para escrever e decorar coisas que sequer condizem com aquela faixa etária. Tudo em nome de adequá-las o quanto antes ao mundo, sem prepará-las para transformá-lo. Mesmo com gerações sofrendo por ansiedade, burnout e depressão, insistimos que é urgente, desde muito cedo, fazer com que nossas crianças se adaptem à realidade do mercado; mesmo que intimamente estejamos dilacerados com as nossas próprias adequações.

No Ensino Fundamental e Médio, as escolas tendem a abandonar cada vez mais os fazeres brincantes, e não é à toa o crescimento exponencial de desinteresse e desmotivação nessas séries. Do outro lado, professores exaustos, sem apoio institucional, acabam desempenhando funções que nada têm a ver com a essência da docência: o estímulo ao aprender.

As famílias, por sua vez, mergulhadas no mundo competitivo e massacrante, anseiam por uma escola que apenas prepare seus filhos para se tornarem opressores e não oprimidos, bem distante de qualquer educação que se pense libertadora. Com isso, pressionam as escolas para “terminarem os livros didáticos”, “mais aulas e mais exercícios” e “mais e mais conteúdo”, sem se darem conta de que, ainda mais em tempos de Inteligência Artificial, nada disso é garantia de aprendizado efetivo e muitas vezes tudo vem às custas da saúde emocional daqueles que eles mais amam e de seus professores.

A escola enquanto instituição precisa se repensar urgentemente: é primordial recuperar a sua autoestima e valor, repensar seus objetivos e o brincar pode ser elemento de transformação nesse sentido. Não apenas como estratégia, mas como fundamento. Aprender a brincar é aprender a aprender e, em tempos de telas excessivas, pouca conexão com a natureza e com o coletivo, é necessário de fato oferecer oportunidades para que crianças, adolescentes, adultos e idosos possam brincar e, assim, encontrarem formas de conduzir seu aprendizado efetivamente.

Minha defesa passa pela ideia de que a escola deve, mesmo que em parceria com outros espaços, ser o grande lugar de se brincar, independente da faixa etária, pois é a partir da brincadeira que desenvolveremos as habilidades que os tempos atuais nos pedem. Que seja o espaço de construção de nossa relação com o saber e não de acúmulo deste. Não para conservá-lo. Mas para revolucioná-lo.

De fato, concordo com meu amigo de que há pouco, ou quase nenhum, espaço para o lúdico na maioria das escolas hoje, ainda mais quando saímos do contexto da Educação Infantil. Pois é hora de pensarmos em como conquistar, ampliar e consolidar essa mudança com a avidez e a alegria de quem brinca. Políticas públicas que institucionalizem o papel brincante das escolas e que formem docentes e gestores que possam defender seu papel diante das famílias, e as orientem sobre a importância do lúdico: é transformação social, saúde integral e vínculo com o conhecer o mundo. Brinquemos!