O cursor está pulsando na batida do seu coração. Ela quer trabalhar, mas não consegue. A imagem dele não sai da sua cabeça: seus olhos claros, como espelhos d’água; seus cabelos negros pintados pela noite; seu andar silencioso sem querer surpreendê-la; o olhar dele penetrando os dela de maneira rápida e vacilante.

“Meu Deus, acho que vou desmaiar”, ela pensa, confusa e com falta de ar.

Seu corpo todo fica trêmulo, e ela tem a sensação de estar flutuando. Sua voz é agora um sopro, e seus pensamentos acelerados como um trem desgovernado. Ela deseja saber para onde ele vai, com quem vai e a que horas vai. Como a camisa que ele veste, ela deseja ser como a peça de algodão, grudada em seu corpo.

Ela sabe que ele é apenas uma idealização, um ser inatingível que não pode ser tocado ou acariciado. É platônico, ela sabe. E o fato de ela saber que não pode tê-lo em sua vida, e principalmente em sua mente, faz com que os pensamentos venham com toda força, prejudicando assim seu trabalho, sua rotina em casa, sua vida.

A vida produtiva dela parou, e ela já não sabe mais como prosseguir. Então, o que fazer quando o medo a alimenta frequentemente, fazendo crescer pensamentos que a consomem, que a paralisam, que fazem morada nela a cada hora do dia?

E ainda assim, segundo ela, esta é sua visão de amor.

A história descrita acima é de uma pessoa que apresenta sinais semelhantes ao Transtorno Obsessivo Amoroso, um transtorno clinicamente não reconhecido, mas que, segundo a psiquiatra Danielle H. Admoni (Unifesp), em entrevista para o site Minha Vida, trata-se de um transtorno tão dependente quanto o consumo de álcool e drogas, e que no caso do Transtorno Obsessivo Amoroso, a dependência passa a ser do parceiro. A pessoa, então, deixa de viver sua vida para viver em função do outro, de forma compulsiva.

Ainda segundo a psiquiatra, um estudo feito no New York State Psychiatric Institute constatou que o amor em excesso pode provocar um estado de euforia no Sistema Nervoso Central, semelhante ao uso de anfetamina. Além disso, uma outra substância poderia ser produzida no cérebro: a feniletilamina, também conhecida como “hormônio da paixão”, que pode ser desencadeada por comportamentos simples como troca de olhares ou aperto de mãos.

No Transtorno Obsessivo Amoroso, o objeto de fixação da pessoa pode ser de natureza romântica, sexual ou controladora. Pode ocorrer dentro de um relacionamento com o parceiro atual em uma relação de co-dependência, com desconhecidos, como no caso de pessoas que se apaixonam por celebridades, ou até mesmo por pessoas que nunca se viram pessoalmente. Assim, ao invés de a pessoa amar o outro para sentir afeto e bem-estar em uma relação recíproca, ela o enxerga como objeto de posse, a fim de suprir suas próprias necessidades de carência ou rejeição.

Como o próprio nome já diz, para ser identificado com o transtorno, é necessário que haja uma obsessão pela pessoa de interesse, a ponto de ter sua vida paralisada ou disfuncional. No caso do relato acima, a pessoa já não conseguia mais se concentrar no trabalho, perdendo projetos importantes e novas oportunidades, para, ao invés disso, começar a stalkear a vida de seu afeto, criando fantasias de que ele a desejava, sem sequer perceber que ele mal sabia o seu nome, bem como quem ela era. A paciente criou essa fantasia depois de ambos terem cruzado olhares de forma casual, em lugares frequentados pelos dois socialmente. A partir desse evento, ela começou a desenvolver desejos excessivos pelo jovem, que consumiam dela tempo, energia e emocional, além das fixações estarem presentes tanto em seus sonhos como em seu estado de vigília.

É importante ressaltar que pessoas com o Transtorno Obsessivo Amoroso também podem apresentar outros transtornos como Transtorno Obsessivo-Compulsivo e/ou Transtorno de Personalidade Borderline, além de episódios de paranoia e pensamentos delirantes. Muitas vezes é possível constatar também que pessoas que demonstram amor obsessivo carregam muito medo e insegurança no desenvolvimento de suas relações.

Mas como identificar os primeiros sinais do transtorno? De acordo com este editorial em saúde mental, os sintomas mais comuns são:

  • Desenvolver uma “paixão à primeira vista” por uma pessoa que mal conhece ou que nunca viu na vida. O amor obsessivo envolve se apaixonar de maneira rápida e intensa, em um curto espaço de tempo, sempre idealizando o objeto amado.
  • Dificuldade para se concentrar em tarefas que até então eram feitas com facilidade e eficiência. Ao invés disso, a pessoa com o transtorno desenvolve pensamentos obsessivos sobre o seu afeto, que incluem fantasias sexuais ou românticas ou até mesmo pensamentos sobre ser rejeitada ou abandonada, podendo levá-la a estados de dor e desespero.
  • O indivíduo passa a desenvolver um desejo excessivo e incontrolável pelo objeto de afeto, construindo memórias de que os dois estão juntos, enamorados e nasceram um para o outro, por exemplo. Esses pensamentos obsessivos podem iniciar durante o dia, perpetuar até a noite, em um ciclo intermitente de rituais mentais.
  • Devido à natureza das obsessões, sentimentos como ciúme e possessividade podem se manifestar na pessoa com o transtorno, principalmente se ela/ele se sentir ameaçada(o) por alguém que tenha algum tipo de vínculo ou relação com o seu afeto.
  • As reações de medo e insegurança fazem com que a pessoa que ama obsessivamente coloque em prática seus pensamentos delirantes. Desta forma, ela/ele começa a perseguir e assediar o ser amado tanto presencialmente como nas redes sociais.
  • No amor obsessivo é muito comum a pessoa passar horas fantasiando acerca do seu objeto de desejo, construindo cenários e reencenando mentalmente as mais diversas situações envolvendo os dois juntos, com o intuito de tentar acalmar as emoções intensas sentidas.

É fato que não existe um tratamento para quem está apaixonado. No entanto, quando as emoções sentidas pelo estado de enamoramento se equiparam a vícios comportamentais ou de substâncias, o caso deve ser levado a sério e receber ajuda profissional. É o que aponta um artigo publicado em 2017 pela Johns Hopkins University Press. Segundo uma das visões levantadas por pesquisadores, o vício amoroso pode ser considerado um transtorno neurobiológico, pois gera em quem o sente doses crônicas de recompensa cerebral. Assim, a melhor forma de tratamento seria intervenção psiquiátrica, através do uso de drogas que viriam restaurar a neurofisiologia da pessoa, juntamente com terapia cognitiva. Outra visão apontada foi a de que ser viciado em outra pessoa não é doença, mas resultado de uma capacidade humana que, às vezes, pode ser exercida em excesso.

No entanto, o consenso que o artigo estabelece é que, seja do ponto de vista da biologia ou da psicologia, quando um estado causa danos para uma pessoa, ela se torna uma forte candidata para dar início a um tratamento. Assim, há que se observar: como o sofrimento experimentado pela pessoa a afeta; o grau em que o seu “vício” prejudica a sua capacidade de agir; e o quanto compromete suas relações sociais, sua produtividade laboral e sua interação com o mundo.

A pessoa citada no começo deste artigo procurou ajuda psicoterápica e iniciou o tratamento com terapia cognitivo-comportamental, juntamente com acompanhamento psiquiátrico (a fim de tratar os sintomas ansiosos). A jovem que chegou com a queixa de estar obcecada pelo seu vizinho alegou que estava deixando de fazer as refeições adequadamente para ficar observando o rapaz pela janela, e que sempre que o via pessoalmente, sentia um entorpecimento pelo corpo; falta de ar; respiração ofegante e coração acelerado. Além disso, a paciente relatou ter descoberto os horários de entrada e saída do seu afeto pelo condomínio; informações acerca do seu trabalho, bem como o número de seu telefone celular.

Com base nos sinais apresentados, a paciente foi orientada em terapia a questionar e refletir sobre os seus pensamentos, principalmente acerca dos comportamentos que ela havia desenvolvido quando passou a stalkear seu objeto de desejo. A psicóloga também propôs que a jovem fizesse uma lista de “prós” e contras acerca do envolvimento dela com o rapaz, e o que isto acarretaria à vida de ambos (principalmente porque cada um deles vive com seus cônjuges).

Apesar de ainda hoje a paciente apresentar pensamentos intrusivos e um desejo enorme de se aproximar do rapaz, ela já consegue processar que o homem que ela deseja nada mais é do que uma imagem idealizada, algo que ela construiu em sua mente, e que, portanto, pode não condizer com a realidade, podendo gerar uma frustração ainda maior. Ela também tem refletido acerca das consequências que uma relação extraconjugal traria tanto para o seu casamento quanto para o casamento do homem que tanto deseja.

Segundo a psicoterapeuta: “tudo o que a gente rega, cresce”. Assim, ela pontuou com a paciente a importância de diminuir gradualmente os comportamentos em que ela busca deliberadamente o vizinho. Quanto mais ela buscasse vê-lo, maior seria o desejo por ele, reforçando assim a fixação em tê-lo, afirmou a psicóloga.

Como estratégias de mudanças, a paciente passou a fazer exercícios físicos nos momentos em que geralmente parava para observá-lo e, segundo ela, tem contribuído bastante para a diminuição dos pensamentos intrusivos, bem como dos comportamentos hiper vigilantes para com o rapaz.

Outras estratégias que têm corroborado para o tratamento são:

  • Práticas de mindfulness, em que é preciso focar a atenção no tempo presente, se atendo aos sinais do corpo e da respiração. Isso dificulta que a pessoa crie devaneios e se perca em seus próprios pensamentos. No caso da paciente, o de ficar pensando o tempo todo no seu afeto, criando expectativas irreais.
  • Ficar mais tempo em contato com a natureza e menos tempo dentro de casa. Sair para pegar um ar puro, fazer caminhadas ou correr ao ar livre, é uma forma de deslocar a atenção das fixações, e no caso da jovem, o de diminuir o risco de ela parar o que está fazendo para ficar observando o vizinho pela janela.
  • Se engajar em um hobby. Estar envolvido em alguma atividade que lhe dê prazer é uma forma saudável de ocupar o tempo e manter a mente produtiva. A energia é investida em si, através de uma atividade prazerosa, que agrega valor na vida da pessoa, e em todos que por ela são afetados. A mulher que sofria com as obsessões se diz mais aliviada e menos ansiosa depois que entrou para um projeto voluntário de incentivo à leitura para crianças e jovens.

O Transtorno Obsessivo Amoroso é uma forma de amor patológico que gera dor, angústia e dependência afetiva para quem o desenvolve. Sua raiz geralmente envolve medo da rejeição ou do abandono, insegurança, regulação emocional disfuncional e apego ansioso. No entanto, existem formas de tratamento que incluem psicoterapia e intervenção medicamentosa (quando necessário).

O primeiro passo para superar o problema é reconhecer que ele existe e que está prejudicando tanto a sua vida quanto a das pessoas afetadas. Com o tratamento é possível superá-lo e voltar a desenvolver relacionamentos saudáveis, baseados no amor, no cuidado e no respeito mútuo.

A jovem, cujo amor obsessivo trazia transtornos em sua vida, hoje compreende que a paixão nutrida pelo rapaz tinha mais a ver com as suas necessidades de posse do que com o desejo de se relacionar com alguém. A terapia tem se concentrado nas causas subjacentes, atreladas aos pensamentos e sentimentos obsessivos. Com as estratégias e planos de tratamento, ela já consegue focar em sua própria vida e controlar seus impulsos. O desejo ainda existe, mas ela tem aprendido a lidar com ele, dando um passo de cada vez, dia após dia.