Se conviver com outras pessoas em um país com um único idioma já é complicado, imagina viver em um que possui quatro? E não estou me referindo aos idiomas que falamos uma vez ou outra, mas às línguas oficiais que estão presentes diariamente na rotina da população que mora na Suíça. O país que ocupa uma região privilegiada no centro da Europa possui quatro idiomas oficiais: Alemão, Francês, Italiano e Romanche.

Mas a pergunta que muitos se fazem (inclusive eu mesma me fiz a primeira vez que estive na Suíça) é: por que um país com cerca de 8.8 milhões de habitantes possui mais idiomas oficiais que o Brasil que tem mais 214 milhões? Seria porque a Suíça faz fronteira com cinco países europeus (Itália, Alemanha, França, Áustria, Liechtenstein)? Se fosse por essa lógica, teríamos o Espanhol como idioma oficial no Brasil, certo? Sim, mas o fato é que esse não é o motivo.

O idioma na Suíça foi definido a partir do processo de migração territorial, assim como no Brasil. A diferença é que o território brasileiro foi dominado apenas por Portugal, o que fez com que o país inteiro passasse a ter o Português como idioma oficial, já o território suíço acabou sendo ocupado por mais de um povo.

  • O alemão, idioma predominante, falado por cerca de 62% da população, foi trazido pelos Alemanni na época da Alta Idade Média;
  • O francês, segundo mais falado (22.9%), chegou com a expansão do Reino da Borgonha no século IX;
  • O italiano, terceira língua mais falada (8.2%), está presente desde a conquista romana, mas teve mais força e impacto a partir da migração dos Lombardos no século XIV;
  • O Romanche, quarto idioma da Suíça, porém o menos falado (0.5%), existe em função da presença dos romanos que moravam nos Alpes e falavam latim.

Apesar dos diferentes idiomas terem chegado ao país em épocas distintas, não significa que logo que criaram raízes passaram a ser considerados oficiais, bem pelo contrário. O reconhecimento da autonomia de cada uma das línguas aconteceu com a independência da Suíça, em 1648, na chamada Paz de Vestfália (porém essa só foi reconhecida em 1815 pelo Congresso de Viena), mas somente 200 anos depois (em 1848) que os quatro idiomas passaram a fazer parte da constituição federal suíça, deixando oficialmente livre para que cada região do país garantisse a educação e aprendizado em seus respectivos idiomas. Neste mesmo ano foi criado também o Parlamento Suíço na cidade de Berna.

Mas se cada região foca o aprendizado em um idioma específico, como as pessoas convivem entre si? Eles não têm dificuldade de integração?

Esses são ótimos questionamentos a serem feitos e, a partir da minha experiência aqui na Suíça, a maneira como eles lidam com essa diversidade, mantendo o respeito e identidade dos idiomas, deveria ser exemplo para o mundo todo e vou explicar o porquê.

A Suíça possui 26 cantões (como se fossem os Estados no Brasil) espalhados em uma extensão territorial de 41.285 km². Se formos analisar a presença de cada um dos idiomas no mapa, conseguimos ver exatamente a divisão dos cantões e qual o idioma oficial de cada um. O francês é predominante na região oeste (exemplos de cidades: Genebra, Friburgo e Lausanne); o italiano, na parte sul (exemplos de cidades: Lugano, Locarno e Bellinzona); o Romanche, no cantão dos Grisões (exemplos de lugares: Vale de Surselva e Baixa Engadina); e o alemão, nas regiões norte, central e leste do país (exemplos de cidades: Berna, Zurique, St. Moritz e Zermatt).

Aqui uma observação sobre esse último idioma: o alemão falado na Suíça não é o mesmo que o da Alemanha. Em situações formais, como a educação e administração e serviços públicos, por exemplo, o alemão padrão da Alemanha é utilizado, porém, nas informais, no convívio diário da população, eles falam em dialeto-suíço e cada cantão possui o seu próprio dialeto. Ou seja, às vezes em um raio muito pequeno entre as cidades você já vai escutar as pessoas falando a mesma coisa, mas com palavras ou fonéticas (sons) bem diferentes.

Para quem não está acostumado com toda essa diversidade linguística em um mesmo país, acha um pouco estranho no início e até mesmo difícil de compreender como eles conseguem administrar todas as diferenças diretas e indiretas do idioma. Acontece que para quem nasceu aqui, esse processo é completamente natural. Para ter ideia, mais de ⅔ da população acima de 15 anos de idade fala mais de um idioma, pois desde pequenas as crianças são imersas em uma educação e ambientes bilingues e trilíngues. Até agora não esbarrei com nenhuma que falava apenas um. O contato com essa diversidade dos idiomas desde cedo favorece o aumento da tolerância entre as culturas, o diálogo entre as pessoas e a democracia no país.

E por que digo que o modo como os suíços lidam com essa mistura de idiomas e história deveria ser exemplo? Porque mesmo com o mundo tão globalizado, eles ainda estão conseguindo manter viva a riqueza da identidade de cada uma das culturas e idiomas que fazem parte do processo histórico do país. A Suíça possui diversas cidades multiculturais, com pessoas vindo de várias regiões do mundo que nem sempre falam o idioma local e acabam utilizando outro para se comunicar que nem sempre é o oficial. O inglês, por exemplo, que é a língua não oficial mais popular por aqui, é a saída para muitos turistas e imigrantes, e na maioria dos estabelecimentos que vai, os suíços realmente sabem falar o inglês. Então, imagine o esforço que cada uma das regiões precisa fazer ao longo de anos para manter suas raízes e não serem engolidas pela globalização? É um grande desafio.

Já aprendi e tenho certeza de que vou continuar aprendendo muito com a cultura, regras e povo suíço, mas para mim, até o momento, a convivência linguística com respeito e harmonia foi uma das lições mais valiosas. Uma inspiração para o mundo e uma esperança de que é possível sim conviver em paz e em conexão ao mesmo tempo.