Eu sou fã de filmes de terror e suspense, e outro dia eu estava assistindo com o meu marido O Iluminado, baseado na obra de Stephen King, e me veio uma pergunta à mente: “de onde vem a inspiração para boas ideias?”; “como escritores de sucesso (como King) conseguem criar obras tão memoráveis e distintas umas das outras, a ponto de fazerem tanto sucesso?”; “existe o caminho das pedras para a inspiração ou se inspirar tem a ver com algo romântico, que inventaram para tudo parecer mais bonito?”

Para responder a essas perguntas, nada melhor do que recorrer à história:

Na mitologia, por exemplo, acreditava-se que a inspiração vinha das musas gregas, que sussurrando ideias criativas nos ouvidos dos mortais, fazia com que estes produzissem obras maravilhosas e inimagináveis. Recorriam a elas escritores, pintores, filósofos e demais artistas, em busca de inspiração. Poetas, por exemplo, acreditavam que as musas lhe trariam êxito e sorte na produção de seus trabalhos, e que por isso, seriam capazes de criar poemas únicos e inesquecíveis. Assim, cada musa era a personificação de uma arte:

  • Calíope era considerada a musa da poesia épica;
  • Clio, da história;
  • Euterpe, da música para aulo;
  • Erato, da poesia lírica;
  • Terpsícore, da poesia lírica com dança, especialmente a coral;
  • Melpômene, da tragédia;
  • Tália, da comédia;
  • Polímnia, dos hinos dedicados aos deuses e da pantomima;
  • e Urânia, da astronomia.

Os gregos acreditavam ainda que havia quatro tipos de inspiração que se relacionavam com um deus ou divindade diferente:

Inspiração profética

Inspirada em Apolo, deus grego da profecia, este tipo de inspiração estava relacionada com a capacidade do ser humano receber mensagens proféticas e conhecimentos divinos, em uma espécie de transe ou êxtase espiritual.

Inspiração mística

Esse tipo de inspiração era alcançado através da invocação do deus do vinho e dos rituais religiosos, o deus Dionísio. Na prática, as pessoas buscavam alcançar sabedoria e transcendência através de rituais místicos envolvendo música, dança e adoração.

Inspiração poética

A inspiração poética tem a ver com a busca pela criatividade e expressão artística. Se trata da inspiração buscada por artistas e intelectuais por meio das nove musas, filhas de Zeus e Mnemósine. Aqueles que recebessem o “toque” das musas eram capazes de experimentar uma onda de criatividade e de novas ideias, que impactavam de forma significativa suas obras e produções.

Inspiração erótica

Personificada por Eros, o deus do amor, esse tipo de inspiração tem a ver com o desejo em sua dimensão física e espiritual. Aquele que está apaixonado experimenta um desejo ardente e enlouquecedor por outro ser humano, capaz de transformar tudo ao seu redor. Acerca disso, Platão acrescenta: “ o amor é uma força transformadora que impulsiona os indivíduos em direção à beleza e à virtude, levando ao autodesenvolvimento espiritual. Aqui erótico não é sinônimo de sexual, mas de desejo e atração.”

Com o passar do tempo, deuses e musas deixaram de ser buscadas como fontes de inspiração, sendo o termo abordado por outras entidades. Uma delas é a Igreja Católica. Você certamente já deve ter ouvido falar: “toda a bíblia é inspirada por Deus”.

Pois bem, para a igreja, o livro sagrado é inspirado pelo espírito Santo, tendo, portanto, um caráter divino, sobrenatural; não provêm da mente humana, mas de Deus como autor principal.

Dessa forma, os escritores da bíblia sagrada tiveram como inspiração o espírito de Deus, que deu a eles o dom da escrita, para que através dos cânones bíblicos a verdade e a vontade de Deus fossem reveladas. Ao ato de escrever em nome de Deus dá-se o nome de inspiração bíblica. Este post da Arquidiocese de São Paulo, nos dá uma ideia acerca da inspiração bíblica nos autores humanos:

Deus inspirou os autores humanos dos livros sagrados. «Para escrever os livros sagrados, Deus escolheu e serviu-se de homens, na posse das suas faculdades e capacidades, para que, agindo Ele neles e por eles, pusessem por escrito, como verdadeiros autores, tudo aquilo e só aquilo que Ele queria”

A matéria ainda conclui que os autores inspirados são autores genuínos e não meros instrumentos passíveis e extrínsecos da ação do Espírito.

Mas não são somente os gregos e os religiosos que têm uma posição acerca da inspiração. A ciência também resolveu estudá-la a fim de compreendê-la melhor. Para isso, dois pesquisadores da Universidade de Rochester, Todd Thrash e Andrew Elliot elaboraram em seu artigo um estudo a fim de validar o conceito de inspiração, e estabelecer sua importância na psicologia empírica.

O artigo começa conceituando, segundo o Oxford English Dictionary:

Uma inspiração ou infusão de alguma ideia, propósito etc. na mente; a sugestão, o despertar ou a criação de algum sentimento ou impulso, especialmente de um tipo exaltado.

Ou seja, segundo esta definição, a inspiração é uma ação mental, movida por um impulso ou sentimento exaltado.

Thrash e Elliot ainda ressaltam a relevância do tema não só para a psicologia, mas para outras disciplinas como antropologia, teologia, educação, arte, literatura, administração e engenharia. Os pesquisadores ainda elencam os constructos envolvendo a inspiração humana. Psicologicamente falando, uma pessoa ao estar inspirada, é movida por um estado de grande energia e motivação, que a leva a direcionar o seu comportamento segundo ideias evocadas na sua mente. Essas ideias são acionadas mediante gatilhos que podem ser pessoas, literaturas, exposição às artes e a natureza.

Segundo o artigo, pesquisadores da área do comportamento social fizeram uma análise sobre o estado de pacientes com câncer e observaram que sempre que eles tinham contato com outros pacientes mais saudáveis, eles se sentiam inspirados e impulsionados a saber mais sobre o seu tratamento e estado de saúde. Eles também apresentavam um autoconceito mais positivo acerca de si mesmos.

O artigo ainda elucida o fato de a inspiração estar intimamente ligada ao ato de agir. Dessa forma, assim que uma pessoa se sente inspirada, com mil ideias fervilhando em sua mente, há o impulso para a ação, como se houvesse uma urgência em colocar seu plano em prática. A inspiração foi, então, relacionada à autodeterminação, autoestima e otimismo.

Todd Thrash e Andrew Elliot concluem que a inspiração é caracterizada por evocação de forma espontânea e sem causa aparente acerca de uma ideia, motivação para a ação e transcendência para ir além, com clareza e positividade. A inspiração se relacionou ainda com “abertura á experiência” que implica receptividade a novos aprendizados e vivências; “absorção do belo” que consiste em direcionar sua atenção para a beleza das coisas e dos objetos; e “criatividade” que abrange a criação e proposição de novas ideias.

Agora que já sabemos como a psicologia responde a inspiração, vamos conhecer como o nosso cérebro funciona quando estamos inspirados:

Segundo este blog sobre neurociência do desempenho humano, os cérebros inspirados tem um aumento de atividade da onda alfa. São ondas de estado mais calmos e relaxados, como se a pessoa estivesse em um estado meditativo ou profundamente mergulhado em uma atividade, como se estivesse em fluxo nela. Essa é a onda do processo criativo, da inspiração e da percepção sensorial.

Em uma matéria intitulada “La ciencia de la inspiración: así funciona tu cerebro para que tengas buenas ideas” publicada no jornal El Mundo na Espanha, alguns pesquisadores relatam de que forma a inspiração surge, e como ela funciona no cérebro.

De acordo com o pesquisador e pró-reitor Sergio Lerma, do Centro Universitário La Salle em Madrid (Espanha), a inspiração surge quando os componentes menos racionais do cérebro estão comandando as redes neurais. Esta seria a explicação do porquê a inspiração surge quando a pessoa está fazendo tarefas de forma mais relaxada, que não exija muita concentração.

Benjamin Baird, pesquisador do Centro de Sono e Consciência da Universidade de Wisconsin, chegou a seguinte conclusão com sua equipe: Realizar tarefas externas simples que permitem que a mente vagueie pode facilitar a resolução criativa de problemas. O estudo foi publicado na revista Science, sob o título: Inspirados por la distracción: dejar vagar la mente facilita la incubación creativa.

Como podemos constatar, a inspiração surge de forma espontânea no cérebro humano, enquanto fazemos tarefas das mais rotineiras possíveis, como cozinhar, tomar banho, caminhar ao ar livre, ler um livro, contemplar uma obra de arte. Sendo assim, não é necessário forçar uma situação para ser tomado por uma inspiração, basta estar tranquilo e relaxado.

Um outro ponto interessante, é que a inspiração te move para uma ação. Assim, não é possível ter uma inspiração para escrever um livro, e não querer reproduzi-lo. A pessoa inspirada é movida por um estado de grande energia e motivação, e isso faz com que ela queira colocar sua ideia ou pensamento em prática.

Estar inspirado requer estar aberto a novas experiências, estar receptivo ao que está ao seu redor, enfim, ser um grande apreciador da vida.

A inspiração de fato existe, e está acessível a cada um de nós. Por ela ser espontânea, nos deixa a impressão de ter vindo do nada, mas a verdade é que não veio. Ela é advinda de você, da vida, de tudo o que os seus olhos já foram capazes de captar, de um mundo de possibilidades, de estados contemplativos.

Que você tenha ideias fabulosas, e que este artigo possa inspirar você!