A moda é tão ampla e diversa que nos permeia com cenários completamente opostos. Apesar de todos eles terem o mesmo objetivo final, os processos dos diferentes campos da indústria podem ser polos muito distantes.
Quando entendemos o processo do fast-fashion, por exemplo, sabemos que uma peça de roupa pode demorar minutos para ser feita, enquanto peças da “alta costura” podem levar até 6 mil horas – 750 dias de 8h de trabalho. Chocante, certo?
Temos – as pessoas no geral– mais contato com a moda pronta para usar, vendidas no varejo, e produzidas em larga escala. Mas e essa moda? O quanto não sabemos desse mundo tão minucioso e distante?
Não são apenas as horas de produção que diferenciam esse cenário. Do lado oposto das grandes lojas fast fashion, encontramos os ateliers de peças feitas sob medida e alguns, escolhidos a dedo, ateliers da alta costura.
Regras precisas estabeleceram a dinâmica do mundo haute couture. Adornado por luxo, trabalho manual e arte, os ateliers devem:
- Produzir todas as peças à mão e sob medida.
- Desenvolver dois desfiles por ano (em janeiro e julho) com no mínimo 25 visuais por coleção.
- Ter um atelier sediado em Paris, com no mínimo 20 profissionais –costureiros, bordadeiros, alfaiates– em cada atelier.
Para entender um pouco mais do contexto histórico das maisons (casas) de alta costura é preciso olhar para o século 19, na França, onde o conceito de coleções da moda foi criado.
Já naquela época, os alfaiates despontavam como peças importantes da sociedade francesa, e a criação de um sindicato de alta costura, para interceder pelos direitos do trabalho feito à mão, tornou-se necessário.
No final desse século, o termo alta costura foi oficialmente estabelecido e essas regras supracitadas foram criadas.
Hoje, 15 maisons são membros permanentes da alta costura: Adeline André, Alexandre Vauthier, Alexis Mabille, Bouchra Jarrar, Chanel, Christian Dior, Franck Sorbier, Giambattista Valli, Givenchy, Jean Paul Gaultier, Julien Fournié, Maison Margiela, Maison Rabih Kayrouz, Maurizio Galante, Schiaparelli, e Stéphane Rolland.
Grifes que, além das peças e acessórios prontos, criam exclusividade, luxo, personalização, minuciosidade, arte e altíssima qualidade, com peças únicas encomendadas por clientes excepcionais.
Além das casas permanentes, existem os membros convidados, marcas chamadas para participarem dos desfiles de alta costura, que acontecem em janeiro e julho; e os membros correspondentes, que cumprem as regras do processo Haute Couture, e também entregam altíssima qualidade em peças sob medida, mas não têm ateliers em Paris.
Hoje, cerca de quatro mil mulheres –em todo o mundo– usam alta costura. Sim, das quase 8 bilhões de pessoas no mundo, 4 mil consomem a alta costura feminina.
Faz parte desse número clientes pontuais, que recorrem à alta costura para fazer vestidos de noiva ou outras peças extraordinárias, mas apenas 20% dessas 4 mil mulheres consomem pelo menos 4 peças por coleção.
Uma peça de alta costura, básica, é avaliada em no mínimo US$10.000 e os vestidos ornamentados com pedras preciosas podem chegar a milhões de dólares.
Essas maisons não se sustentam com o faturamento da alta costura, as coleções ready-to-wear e as peças de entrada – tão cobiçadas por clientes que sonham com a marca – são o carro chefe da rentabilidade das grifes. A alta costura gira em torno do status da marca, da valorização da casa e do peso histórico que tem a moda como arte.
O número de clientes recorrentes denuncia a exclusividade desse mercado.
A alta costura é o mais distante que a moda pode chegar da esmagadora maioria das pessoas.
Mas, se pensarmos pela perspectiva do consumo de arte e não de produto, talvez consigamos enxergar esse segmento com outros olhos.
Da mesma forma que eu não posso comprar um quadro de Takashi Murakami, artista contemporâneo, eu também não compro um vestido de alta costura Dior.
Mas eu sei que ele existe, eu entendo o contexto, aprendo sobre ele, aprecio a estética e tenho a possibilidade de ver em uma exposição, em ocasiões raras.
A moda em muitos contextos pode ser extremamente elitista e excludente, mas em tantos outros é manifestação artística, sonho e referência.