A obra magna de Sigmund Freud, A Interpretação dos Sonhos, é amplamente reconhecida como um divisor de águas na história da psicanálise. Mais do que uma simples exploração sobre os sonhos, essa obra monumental, que ultrapassa 600 páginas, oferece uma visão abrangente da psicanálise, delineando não apenas a natureza dos sonhos, mas também construindo um modelo complexo da mente e uma metodologia para compreender a consciência como um todo. Embora tenha sido motivado pela busca profissional para curar sintomas neuróticos, o trabalho de Freud revelou-se uma ferramenta profunda para investigar os desejos inconscientes, não apenas relacionados aos sonhos, mas também lançando luz sobre a psicologia cotidiana.

Foi a busca pelo mais adequado tratamento dos sintomas neuróticos que levou Freud a investigar o inconsciente e a natureza dos sonhos. No decorrer do trabalho em A Interpretação dos Sonhos, ele construiu uma teoria brilhante e complexa sobre a mente e a psicologia cotidiana. O ato de ouvir os sonhos de seus pacientes tornou-se uma ferramenta profunda para investigar o significado e a fonte de algo valioso: a maneira como os sintomas das psiconeuroses forneciam uma visão para compreender a natureza e o significado dos sonhos. Seguindo esse raciocínio, o autor entendeu que um sonho pode reproduzir os sintomas do neurótico, e os sonhos eram, de fato, esboços para entender o funcionamento dos processos conscientes normais. Reconhecendo que os sonhos eram atividades significativas da mente, sujeitas a certos processos mentais para sua produção, Freud inferiu que eles se correlacionavam com a atividade psíquica da consciência desperta, fornecendo uma base sólida para explorar questões mais amplas da psicologia humana e os mecanismos que a possibilitam.

Os sonhos possibilitam a percepção da mesma coisa através de uma linguagem diferente.

Em sua obra anterior, notavelmente conhecida pelos estudos sobre a histeria (1895), escritos em parceria com Joseph Breuer, Freud estava principalmente interessado na ideia de que as neuroses e suas manifestações eram resultado de traumas na primeira infância, predominantemente de natureza sexual, reprimidos e necessitando do processo de "cura pela fala" para descobrir memórias perdidas a fim de aliviar os sintomas. No entanto, em 1896, ele abandonou sua teoria da sedução e concentrou-se em encontrar uma explicação para fenômenos psicopatológicos através de um modelo neurofisiológico da mente. Isso o levou a trabalhar em Projeto para uma Psicologia Científica, onde tentou compreender como os processos fisiológicos do cérebro se relacionavam à experiência psicológica, especialmente como processos neuronais específicos recebem e regulam excitações de energia.

Essa mudança de abordagem levou Freud a teorizar sobre a mente por volta de 1887, com um foco crescente na teoria da mente. O 'Projeto' postulou dois princípios que regiam a consciência e o comportamento, o princípio da constância e os processos primários e secundários. O princípio da constância lida com a regulação dos impulsos sexuais, onde o prazer advém da quiescência de uma superabundância de 'libido', ou energia causadora de tensão. O organismo humano procura regular esse equilíbrio. As formulações de Freud dessa função são a base para as formulações posteriores do princípio do prazer e do princípio da realidade, tornando-se instrumentais para completar sua teoria do desejo.

De maneira crucial, a formulação dos processos primários e secundários esclareceu os mecanismos ainda não denominados do "id" e do "ego", e como sua interação formava o inconsciente por meio de mecanismos de repressão e regulação. Isso proporcionou a Freud a hipótese de trabalho na qual ele poderia construir e fundamentar suas teorias sobre a formação dos sonhos. A inadequação do processo secundário do Ego e sua incapacidade de lidar com a descarga ou catexia dos impulsos libidinais dificultam a interação com a realidade cotidiana. O princípio da realidade do processo secundário nem sempre consegue manter os impulsos do princípio do prazer do processo primário à distância. Sintomas neuróticos, atos falhos, piadas e especialmente os sonhos, Freud descobriu, eram fenômenos inconscientes que expunham os pensamentos do processo primário no meio dos pensamentos do processo secundário da vida cotidiana.

Os sonhos eram particularmente adequados para entender os mecanismos de enfrentamento entre os impulsos instintivos inatos do processo primário e os processos secundários que tentam controlá-los, principalmente porque o processo secundário, com o qual interagimos mais diretamente na vida consciente, está completamente desativado durante o sono. O famoso ditado de Freud de que "A interpretação dos sonhos é a estrada real para o conhecimento das atividades inconscientes da mente" permaneceria como um princípio orientador ao qual ele se manteve fiel.

A ideia mais abrangente de Freud sobre os sonhos é que eles representam os cumprimentos disfarçados de desejos, especialmente aqueles que derivam do processo primário, mas foram reprimidos pelo processo secundário. Conforme Freud, ao ouvir os sonhos de seus pacientes, especialmente seus próprios sonhos, ficou evidente que desejos inadequados para serem pensados (ou realizados) durante o dia eram expressos de forma explícita na narrativa do sonho. Entretanto, como ele enfatizou, os sonhos nunca são coerentes e parecem não seguir nenhuma lógica familiar. Isso ocorre porque os sonhos são a expressão direta do processo primário do pensamento e, como tal, manifestam-se por meio de condensação, deslocamento e transformação simbólica. São uma linguagem que se manifesta na experiência do desejo.

A condensação é um processo em que vários pensamentos, ideias ou desejos são agrupados em uma única imagem ou cena. Isso é exemplificado pelo caso de uma paciente que sonha com um boi morto em sua cama. Freud interpreta que o boi representa o marido da paciente e a morte do boi simboliza seu desejo inconsciente de que o marido morra. Nesse exemplo, diversos pensamentos e desejos são condensados em uma única imagem simbólica.

O deslocamento é outro mecanismo, no qual um elemento do sonho representa algo simbolicamente associado, mas não diretamente, com o desejo. Um exemplo fornecido por Freud é o sonho de um pai que sonha com o filho após uma conversa com um colega que mencionou seu próprio filho. O desejo de morte em relação ao filho é deslocado do colega para o filho do sonhador.

A transformação simbólica envolve a representação simbólica de um desejo ou pensamento. Freud menciona um sonho no qual uma mulher sonha em dar à luz uma cobra. Nesse caso, a cobra simboliza o falo, e o ato de dar à luz simboliza o desejo reprimido da paciente de ter um órgão masculino.

Além desses mecanismos, há o processo de elaboração secundária, que tenta impor alguma ordem lógica ao conteúdo do sonho, tornando-o mais aceitável para a mente consciente. Esse processo mascara a verdadeira e desordenada natureza dos desejos inconscientes.

Em resumo, a teoria dos sonhos de Freud não apenas ressalta a significância dos sonhos, mas também oferece uma compreensão profunda dos mecanismos psíquicos envolvidos na formação dos sonhos. Para Freud, os sonhos são manifestações simbólicas de desejos reprimidos, expressos por meio de processos como condensação, deslocamento e transformação simbólica. A análise dos sonhos é uma ferramenta fundamental para explorar o inconsciente e compreender as complexidades da mente humana.