A Constituição da República de Moçambique (CRM), no seu artigo n.º 103, define a agricultura como a base do desenvolvimento do país. O setor agrícola é o que mais contribui para o Produto Interno Bruto (PIB). Segundo o INE (2023), no último quinquénio (2018-2022), o setor contribuiu com uma média de 21,66% no PIB.
Estima-se que pelo menos 70% da força de trabalho no país esteja empregue no setor agrícola. No entanto, a agricultura praticada é essencialmente familiar e de subsistência, com acesso limitado a tecnologia e extensão. Moçambique dispõe de cerca de 36 milhões de hectares de terra arável para a produção agrícola, mas apenas cerca de 16% desta é utilizada, ou seja, ainda há muito a explorar em termos de terra, mas especialmente em termos de tecnologias para aumentar a produtividade dos campos de produção.
Podem destacar-se como os maiores entraves ao desenvolvimento do setor da agricultura em Moçambique os seguintes: técnicas e métodos de cultivo rudimentares e tradicionais; a falta de tecnologias adequadas; deficiente acesso/falta de sementes melhoradas; o difícil acesso a mercados, quer de fornecedores, quer para venda dos produtos agrícolas, para além do facto de os mercados serem geralmente inacessíveis aos pequenos agricultores. Sendo maioritariamente praticada por pequenos agricultores, estes geralmente não dispõem de condições financeiras e acesso a financiamento para catapultar a sua atividade. Outro aspeto importante a destacar, que constitui um alto risco para a agricultura, são os fenómenos climatéricos. A título de exemplo, como consequência dos ciclones Idai e Kenneth, ocorridos em 2019, a taxa de crescimento do setor agrícola reduziu dois pontos percentuais (de 3,2% registado em 2018 para 1,2% em 2019).
Embora a agricultura seja o setor que mais contribui para o produto nacional, como pudemos perceber pelas estatísticas anteriormente apresentadas, este ainda opera muito abaixo do seu potencial.
O Governo da República de Moçambique (GdM) formulou a Política Agrária e Estratégia de Implementação (PAEI) em 1995. A PAEI é o documento chave que orienta o desenvolvimento do setor agrário. Vários programas e projetos têm sido desenvolvidos para a implementação da Política Agrária, dentre eles destacam-se o Programa Nacional de Desenvolvimento Agrário (PROAGRI) em duas fases, nomeadamente PROAGRI I 1998-2004 e PROAGRI II 2006-2010, a Estratégia de Revolução Verde 2007, o Plano de Ação para a Produção de Alimentos (PAPA) 2008-2011, e a Estratégia do Desenvolvimento Rural (EDR) 2007.
Em 2003, o Governo de Moçambique ratificou, através da Declaração de Maputo, a agenda do Comprehensive Africa Agriculture Development Programme (CAADP). No âmbito deste programa, Moçambique formulou e implementou o Plano Estratégico de Desenvolvimento do Setor Agrário (PEDSA) 2011-2020 e o Plano Nacional de Investimento no Setor Agrário (PNISA) 2013-2017, posteriormente estendido para 2019.
Vários programas e projetos foram desenhados para a implementação do PEDSA 2011-2020 sendo de destacar o Agriculture and Natural Resources Landscapes Management Project (SUSTENTA-Fase Piloto), Agricultural Productivity Program for Southern Africa (APPSA), Rural Markets Promotion Programme (PROMER), Local Economic Development Program (ProDEL), Sustainable Irrigation Development Project (PROIRRI), Pro-Poor Value Chain Development in the Maputo and Limpopo Corridors (PROSUL), Artisanal Fisheries Promotion Project (ProPESCA), e Project for Promotion of Small-Scale Aquaculture (PROAQUA) e Mozambique’s Conservation Areas for Biodiversity and Development Project (MozBio).
Com mais de 40 anos de independência, e diversos programas e planos para o fomento do setor agrícola, já implementados e ainda em curso, pelas estatísticas, ainda se pode questionar o impacto de facto destes programas no desenvolvimento da agricultura. Isto é, o PIB continua altamente dependente de uma agricultura de subsistência e sem perspetiva próxima de modernização.
O que está a falhar no setor agrícola moçambicano?
Certamente que a defesa dos vários constrangimentos que o setor enfrenta pode teoricamente ser atribuída à problemática do subfinanciamento à agricultura. Contudo, este não deve ser um posicionamento certeiro a ser tomado. É importante que se capitalizem os recursos disponíveis, de modo que a partir destes, o setor possa produzir mais para o reinvestimento.
Concretamente, para que o governo, em particular, possa potencializar o setor da agricultura, é importante:
Melhorar o acesso dos pequenos agricultores a tecnologias e serviços que aumentem a produtividade: isto passa por um processo de formação, capacitação e conscientização deste grupo acerca de métodos e técnicas melhoradas de produção, para fazer face às tradicionais formas de produção; Acesso a sementes melhoradas e fertilizantes; investimento em sistemas de irrigação;
Aumentar a participação nos mercados: o acesso ao mercado, aos pequenos agricultores também exige um trabalho de base, que primeiro a constituição e o conhecimento das cadeias de valor e seus atores em determinada área, para fornecimento de insumo, armazenamento, processamento, ou venda dos produtos agrícolas. Para tal, é imprescindível a existência de mecanismos de comunicação que favoreçam o encontro destes atores com os produtores. A questão da infraestrutura, que constitui um "calcanhar de Aquiles" para os atores do setor, deve também ser melhorada, e, entendendo-se a problemática do défice orçamental, é importante que se mapeiem e invistam em infraestruturas de centros de produção prioritários.
Aumentar o acesso a serviços financeiros sustentáveis nas zonas rurais: embora o setor agrícola seja considerado um setor de alto risco, devem ser estudados mecanismos sustentáveis de financiamento aos pequenos agricultores, de modo a proporcionar meios de melhoria da capacidade de produção destes. Das formas mais conhecidas de financiamento agrícola, para o caso de Moçambique, podem ser mais eficientes: primeiro, as empresas de agronegócios (que funcionam como provedores de insumos e compradores), uma das formas mais práticas de financiamento, mas que é minada pela assimetria de informação entre produtores e estas empresas. Segundo, os projetos do governo e de organizações não governamentais que trabalham na vertente de segurança alimentar e provisão de alimento a certo grupo de beneficiários – que para além de importar os mantimentos, deveriam ter uma preferência e priorizar a compra nos produtores locais. As cooperativas de produção; os grupos de poupança e crédito comunitários, uma prática crescente a nível nacional, que se bem implementada pode impulsionar os pequenos agricultores. Isto, para além dos meios convencionais, como as microfinanças, bancos comerciais e banco de desenvolvimento (que, contudo, apresenta várias restrições de acesso ao crédito/financiamento).
Ademais, com os recentes e esperados desenvolvimentos da indústria extractiva (especialmente do gás), deve-se garantir que haja ligação deste com o setor da agricultura e outros setores produtivos, quiçá, que da produção do gás se implantem fábricas de produção de fertilizantes para a agricultura a nível doméstico.