Em outubro tradicionalmente comemora-se o dia dos professores. Usualmente, esse mês é dedicado à divulgação de campanhas publicitárias que visam homenagear esses profissionais. Sempre muito lindas e emotivas, ousaria comentar que as campanhas publicitárias tornam o mês de outubro mais leve para os professores que se sentem reconhecidos pelo menos um mês ao ano. No entanto, esse ano o mês de outubro começou diferente. A divulgação de uma pesquisa, conduzida pela economista Janaína Feijó, revelou que os professores são os profissionais com formação universitária que recebem os menores salários no Brasil. Nesse grupo estão incluídos professores de educação infantil, artes, ensino fundamental, música, dentre outros professores, cujos salários variam entre R$2.300,00 e R$3.578,00 em média. É verdade que a renumeração não é o principal ou o único fator relacionado com a satisfação com a carreira exercida, mas no caso, pode-se comentar que esse fator não está ajudando.
Segundo o modelo sociocognitivo, a satisfação com o trabalho docente está relacionada com interesses vocacionais e aspectos organizacionais das instituições em que atuam. Contempla a percepção da agência sobre o próprio processo de desenvolvimento vocacional, bem como sobre os fatores contextuais que o estimulam ou não. Estudos têm evidenciado que professores que tendem a analisar o cotidiano com visões mais positivas, que se percebem capazes de lidar com os desafios da docência e atuam em escolas cujas condições de trabalho são tidas como adequadas se percebem mais satisfeitos com o trabalho docente.
Pensar sobre condição do trabalho docente contempla questões de ensino, de infraestrutura e de contexto. Como, quando e por que ensinar envolve aspectos de formação docente, seja formação inicial, seja de formação continuada, preferencialmente realizada no coletivo escolar em que se atua, sendo que o modo pelo qual os professores percebem as vivencias relacionadas ao ensino influenciam à satisfação com o trabalho. A infraestrutura da escola minimamente adequada para a realização do fazer pedagógico contempla desde livros e materiais de papelaria, até móveis, equipamentos multimídias, salas, bibliotecas, banheiros e quadras, dentre outros, em condições de uso. O contexto em que a atuação docente é exercida quando percebido de modo coletivamente eficaz e com clima escolar positivo pode influenciar positivamente a percepção de satisfação com o trabalho docente, mesmo quando a escola em que se leciona está inserida em uma comunidade vulnerável: a força do coletivo parece impulsionar o sentimento de mais-valia e a contribuição pessoal para a sociedade.
A atuação do gestor escolar é primordial para a promoção da satisfação do trabalho docente. Ao impulsionar uma cultura organizacional fundamentada em feedbacks diretos, claros e construtivos, que respeitem a individualidade de cada professor e reconheça suas contribuições para o coletivo escolar, gestores escolares estão contribuindo para a satisfação de professores com o trabalho exercido. Preocupa, pois, quando em uma investigação realizada com uma amostra de gestores escolares paulistas constata-se que os diretores acreditam fortemente na própria capacidade de exercer as tarefas de liderança e gestão escolar, mas sinalizam que o coletivo escolar é pouco capaz de realizar com êxito as tarefas de ensino e convivência relativas às escolas em que atuam.
Ora, como promover um ambiente de trabalho sano e positivo se não se acredita na capacidade das pessoas que o realizarão? A frágil convicção de que o coletivo escolar tem capacidade de lidar com as atividades de ensino e convivência com êxito parece sinalizar que a promoção da valorização docente necessita ser vivenciada dentro dos muros escolares para, então, ganhar a sociedade.
Nesse sentido, destaca-se o importante papel das diretorias e secretarias de ensino, dos órgãos oficiais que planejam e supervisionam as políticas educacionais, dentre as quais as relativas à carreira docente. Pesquisas têm evidenciado que a atuação próxima e pautada pela orientação e apoio aos gestores escolares realizada pelos órgãos oficiais contribuem de modo positivo à atuação docente e a satisfação deste com o trabalho, culminando na melhoria das condições de ensino que são submetidos os educandos. Tem-se, então, um sistema educacional cujas ações oriundas das esferas administrativas atingem as atuações de gestores escolares e professores realizadas nas unidades escolares. Se faz necessário repensar as condições de trabalho docente visando promover percepções positivas sobre os educadores e os ambientes de trabalho nos quais atuam.
Além de renumeração compatível com a formação acadêmica e com a importância do trabalho dos professores para o desenvolvimento da sociedade em que vivemos, a tão desejada jornada de trabalho realizada de modo integral e com dedicação exclusiva à única escola, traria benefícios físicos e emocionais aos professores, contribuindo para ampliar a percepção de satisfação com o trabalho. Novas formas de relações interpessoais, pautadas pelo respeito e confiança mutua na capacidade de gestores e professores; autoavaliaçao do trabalho docente aliada à avaliação institucionais, bem como participação docente na elaboração de politicas educacionais e pedagógicas a serem desenvolvidas durante o ano letivo, colocam-se como fundamentais para que os professores possam ser protagonistas de uma pratica pedagógica transformadora que propicie adequadas condições de aprendizagem aos estudantes.
Os grandes beneficiados pela melhora da condição do trabalho docente seriam os educandos e, consequentemente, as comunidades. Tal afirmação é fato decorrente da constatação de que o fator docente tem sido constantemente sinalizado por diversas pesquisas como o principal fator a ser aprimorado a fim de se alcançar a transformação dos sistemas educacionais, alcançando a melhoria das condições de ensino e aprendizado.
No entanto, principal não é sinónimo de único. A participação da família no acompanhamento da vida escolar de crianças e jovens também é sinalizada como um dos fatores que contribuem para a melhoria do ensino e aprendizado. Usualmente, escolas que se destacam positivamente sinalizam a participação das famílias no cotidiano escolar. Importante é comentar que participar não significa estar na escola todos os dias, tampouco intrometer-se nas decisões pedagógicas, afinal, educadores são os profissionais preparados para tal fim.
Participação consiste em estar ciente sobre o que se passa no cotidiano dos estudantes, educar crianças e jovens pelos quais se é responsável de acordo com valores humanos que integram nossa cultura. Tratar as pessoas com respeito, saber falar com as palavras adequadas, saber escutar, esperar a vez de ser atendido e tanto outros exemplos de comportamentos necessários para o convívio social positivo são aprendidos em casa e podem facilitar muito a ação pedagógica dos educadores. Não se trata de “dar razão” a tudo o que a escola faz, mas sim de compactuar com os educadores, como se fossemos marinheiros de uma mesma embarcação, remando todos na mesma direção. Quando há alguma situação difícil, somente a comunicação efetiva e a busca por acordo mútuo é capaz de possibilitar aos marinheiros o compasso certo de suas remadas. Assim vejo a ideal convivência escola e família, uma embarcação com um destino: orientar e estimular o desenvolvimento de crianças e jovens.
Triste é saber que muitas são as ocasiões em que família e escola parecem remar em direções opostas, em que famílias por não concordarem com as ações pedagógicas ao invés de buscar por soluções, atacam educadores, os quais já vem perdendo seu prestígio e reconhecimento há tempo.
Lembro-me de minha mãe, uma professora, hoje aposentada, que se formou em uma prestigiosa escola normal. Ela ensinava não apenas a ler e a escrever, ensinava a convivência entre seus estudantes sempre tao vulneráveis, ensinava que a educação era o caminho para uma vida melhor. Quantas vezes, caminhando com minha mãe pela movimentada avenida comercial da cidade em que morávamos, presenciei o reencontro com seus ex-alunos, já jovens adultos, sempre muitos agradecidos pela importante ação de persuasão que ela havia tido na vida deles, ensinando que eles eram capazes de aprender e de escolherem o caminho adequado para cada um de si. Sem dúvidas, o brilho que eu via nos olhos de minha mãe nesses reencontros retratavam a emoção que lhe dava força e sentido para continuar na dura e trabalhosa jornada pedagógica.
Presenciei brilho parecido nos olhares de outras professoras com as quais tive a honra de trabalhar. Sei que reencontrar um ex-aluno agradecido ou receber um sorriso de reconhecimento de um educando ou família com os quais partilhamos nossas vidas é algo incomensurável. Assim, enquanto a renumeração e as condições de trabalho docentes não atinjam o patamar de reconhecimento merecido por essa classe tão necessária ao desenvolvimento de nosso país, desejo a meus colegas de profissão muitos sorrisos e olhos brilhando! Que as pequenas conquistas do dia-a-dia docente possam ser percebidas e valorizadas por cada um de nós, nos nutrindo e nos guiando.
Que as mensagens publicitárias de valorização possam ser internalizadas e recordadas por nossas memórias sempre que necessitarmos de uma mensagem de apoio, mesmo que não seja outubro nosso mês do coração.
Felizes dias, professores!