Ausente nos últimos anos, o protagonismo internacional do Brasil no combate às mudanças climáticas volta à cena em 2023. Desde a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que o país sediou, o Brasil vem se destacando com diversas ações internacionais, notadamente, na defesa do financiamento adequado para ajudar os países em desenvolvimento a enfrentar os desafios do clima.
Segundo estudos de 2021, os investimentos necessários para atingir as metas estabelecidas a partir do Acordo de Paris, em 2015, de limitar o aquecimento em 1,5° do planeta até o final do século, são de US$ 4,3 trilhões por ano1. Na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática em Copenhague (COP15), em 2009, o Brasil já havia demonstrado a importância de auxiliar os países em desenvolvimento na adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. Mas a indisposição dos países desenvolvidos para oferecer os aportes necessários resultou apenas no estabelecimento de um objetivo geral de mobilizar US$ 100 bilhões por ano até 2020. Várias COPs depois, com o limite térmico cada vez mais próximo, no entanto, não só pouco do necessário foi investido como apenas alguns países em desenvolvimento receberam apoio financeiro para projetos muito reduzidos.
Nesse contexto, um grupo de brasileiros reunidos no EUBRA, sob a presidência de Robson Oliveira, junto com os criadores de um grande evento de difusão de tecnologias de desenvolvimento sustentável e eficiência energética da Dinamarca, logo após a COP15, buscou de forma visionária um caminho alternativo, o da economia verde. O resultado foi a criação em 2011 do Bright Green Book, obra que reúne 100 casos exemplares de baixo impacto ambiental postos em prática por organizações no Brasil e no exterior, sem qualquer envolvimento com a política verde determinada, de cima para baixo, pela ONU e pelos países desenvolvidos2.
A Dinamarca como ponto de partida
As características do período em que se realizou a COP15 (15ª Conferência das Partes), e que gerou o Bright Green Book, eram a de um mundo que vivia as consequências da crise econômica causada pelo estouro da bolha imobiliária em 2008 e, portanto, as economias e sociedades passavam por dificuldades e obstáculos para se reerguerem. Além disso, os problemas sociais, ambientais e econômicos que vivemos hoje, embora agravados pela pandemia da Covid-19 e pelo aumento da crise climática, já existiam e estavam se ampliando.
Os países desenvolvidos embora tenham ajudado a organizar a COP15 e incentivado a ida à conferência do presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, então no seu segundo mandato e reconhecidamente um interlocutor destacado no evento, na prática, esvaziaram o Protocolo de Kyoto3. Ao contrário do propósito principal da conferência, que era o de negociar e estabelecer um novo acordo climático internacional que o sucedesse. Foi uma verdadeira “Trapenhagen” e não uma “Hopenhagen”, como os cartazes espalhados por Copenhague publicizavam o encontro.
O Brasil, mesmo assim, deixou a sua marca, com a presença na Dinamarca de uma delegação de 800 participantes e a repercussão internacional de seus posicionamentos e das articulações e discursos enfáticos do presidente Lula a favor de um novo acordo global e do financiamento aos países em desenvolvimento. A atuação foi o resultado do entendimento político precoce do Itamaraty daquele cenário complexo que se esboçava na ocasião.
Da mesma forma, o EUBRA (Conselho Euro Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável) deu a sua contribuição à participação do país, após participar das negociações da World Business Summit on Climate Change4, meses antes da COP 15, também em Copenhague. A partir dela, teve a percepção de quão forte seria a presença dos grandes conglomerados financeiros e empresariais multinacionais resistentes a mudanças na conferência.
Outros fatores, ainda se somavam aos frustrados resultados da conferência que não se traduziram em um acordo climático abrangente e vinculante dos 192 países que dela participaram. O modelo de compensação que as ONGs ofereciam para sanar problemas sociais estruturais que os governos nacionais não conseguiam resolver – e, hoje, são agravados pelo clima - havia se desgastado antes da virada do século. A concentração urbana nas grandes metrópoles passou a oferecer mais riscos do que oportunidades. Tudo clamava por um novo caminho.
A proposta surgiu naquele momento exato em que o mundo buscava inovações e iniciativas com resultado econômico e impacto positivo socioeconômico e ambiental, aquilo que chamamos de negócios de impacto dentro de uma economia verde.
O livro teve sua primeira edição em 2011, apoiada pela ONU Habitat e que contou com o patrocínio e a parceria das embaixadas italiana, holandesa e brasileira, e de algumas importantes organizações como a Cisco, Bloomberg, CAIXA e, entre outras, 400 empresas e instituições internacionais.
O papel das cidades na sustentabilidade
“As cidades têm um papel vital a desempenhar no que se refere ao desenvolvimento sustentável e à erradicação da pobreza, particularmente dentro do contexto da Economia Verde”, declarou na apresentação do Bright Green Book o ex-prefeito de Barcelona, ex-ministro e embaixador espanhol que ocupava o cargo de Diretor Executivo da ONU-Habitat na época, Joan Clos. Ele mesmo, no ano anterior, havia escrito artigos para a ONU afirmado que as grandes cidades representam 70% dos problemas do planeta. A afirmação mantém-se atual, tendo sentido reforçada pelo fato de um grande número de habitantes ter sido abandonado nos grandes centros urbanos, pós-Covid.
As metrópoles e as zonas urbanas são produtos das migrações do campo para as cidades, movimento que, no Brasil, tomou forma no século 20, com notável expansão a partir do período entreguerras. Basta ver que, grosso modo, os aglomerados urbanos representam cerca de 3% das áreas habitáveis do planeta, mas concentram, pelo menos, 55% da população mundial. Segundo estimativa da ONU, em 2050, 70% da população global viverá nas cidades.
Acontece que, devido à concentração populacional, as zonas urbanas são as principais responsáveis pelos problemas climáticos e ambientais que assolam o planeta. As cidades grandes, em especial, demandam uma quantidade enorme de recursos da natureza, que estão se tornando mais escassos, caros e disputados.
Na prática, o que se vê é uma piora da qualidade de vida, com saturação dos elementos naturais, incontáveis danos ambientais e prejuízos aos estratos mais pobres, que são obrigados a viver em zonas de risco e a trabalhar em empregos de baixa remuneração.
Nesse sentido, nota-se a necessidade de provocar, de certa forma, um movimento inverso ao gerado pela industrialização, fortalecendo as pequenas e médias cidades, ao invés das grandes metrópoles. Na prática, uma tendência que já se verifica parcialmente no Brasil. Segundo o último censo do IBGE, quase metade das cidades que mais cresceram no país entre 2010 e 2022 tem entre 10 mil e 50 mil habitantes, embora São Paulo, Brasília e Goiânia também tenham crescido.
Infraestrutura, serviços públicos e privados disponibilizados em larga escala nos grandes centros urbanos ainda funcionam como um polo de atração. No entanto, em uma era em que todos estamos conectados, em razão da expansão das infraestruturas de conectividade, estar geograficamente distante não significa, necessariamente, estar à margem.
Em outras palavras, pode-se criar incentivos para desafogar as metrópoles e, consequentemente, gerar o êxodo urbano em direção às cidades de pequeno e médio portes, entre outros, com a instalação de robustos equipamentos de energia e de telecomunicações, por meio dos quais todos possam ter acesso a conexões, mesmo estando a muitos quilômetros de distância de um epicentro urbano.
A importância da economia verde
Diante do arrefecimento da pandemia de covid-19, o mundo sente como se estivesse voltado à normalidade. No entanto, o vírus respiratório é apenas uma das mazelas que pode ser sucedida por outras na ameaça à vida humana na Terra. O avanço tecnológico desenfreado põe em risco incontáveis atividades profissionais, as disputas por influência e dominância entre as nações mais desenvolvidas limitam o crescimento dos países em desenvolvimento e, sobretudo, impasses e retrocessos no que diz respeito à preservação do meio ambiente custam vidas no presente e no futuro.
Entre esses pontos, sabe-se, já há muitas décadas, que a questão climática precisa ser tratada de forma urgente e imediata. Agora, com mais intensidade, pois os cientistas acreditam que a temperatura do planeta de 1,5° possa ser ultrapassada até mesmo antes de 2030 ainda que temporariamente5.
O alarme torna imperativo diminuir as emissões de gases de efeito estufa, pôr em prática a transição energética e adotar uma produção mais sustentável, com foco na reutilização de materiais e na redução do consumo. No Brasil e no exterior, os membros de nossas sociedades têm a oportunidade – e a necessidade – de dar a partida, conduzir e avançar em um modelo de desenvolvimento econômico mais balanceado, distribuído e, acima de tudo, com menor impacto ambiental.
A boa notícia é que as ferramentas capazes de organizar essa engenharia social já estão à nossa disposição. A economia verde, constitui o novo caminho para vencer os crescentes desafios propostos pelas mudanças no clima. Na busca da igualdade social e da melhora do bem-estar humano, permite reduzir os riscos ambientais por meio de uma produção sustentável e inovadora, que gere emprego e renda, e do consumo consciente.
Ao lado das transformações exigidas pelo êxodo das grandes metrópoles para centros urbanos menores e mais fáceis de administrar, energias renováveis, eficiência energética, gestão de resíduos, construção verde, tecnologias limpas, turismo e agricultura sustentáveis compõem um leque de segmentos a ser abordados com sucesso dentro do modelo econômico verde.
A criação de empregos verdes, novas formas de produção e mesmo a adoção de práticas sustentáveis nas indústrias tradicionais, além dos novos segmentos abrangidos, também são fatores relevantes para o crescimento desse novo modelo de negócios e sociedade.
O campo, ainda, é um foco importante das transformações necessárias à economia verde. Um modelo sustentável de desenvolvimento agrário requer práticas mais inteligentes de produzir alimentos, respeitando o tempo das terras cultiváveis, sem a necessidade de desmatar para ampliar áreas de plantio ou de acelerar colheitas com base em agrotóxicos.
No entanto, as mudanças requeridas por um modelo de desenvolvimento econômico sustentável diante dos desafios impostos pelo clima e pela desigualdade social existente não são fáceis de ser feitas. É inegável que existam forças interessadas em manter e aprofundar o modelo atual, tentando diminuir, principalmente, a real dimensão dos impactos provocados em terceiros, haja vista a disputa tecnológica, comercial e geopolítica entre as nações mais poderosas do mundo.
Ainda assim, transcorrendo em paralelo, uma nova história econômica começa a ser contada. Projetos diferenciados, criados a partir de ideias geniais de pessoas e empresas comprometidas com a causa ambiental, promovem a verdadeira economia verde, por meio de ações cujos efeitos se propagam para outros territórios ou mudam realidades locais.
A publicação Bright Green Book teve a proposta de chamar a atenção para iniciativas que, entre outros aspectos, utilizam tecnologias de forma responsável e com o objetivo de promover o bem-estar humano, além de mitigar os danos ambientais da exploração dos recursos naturais.
Apesar de ter sido lançado há 12 anos – quer isso seja positivo ou negativo –, o livro ainda mostra-se completamente aderente aos tempos atuais, tendo em vista a necessidade premente de implementar, incentivar e propagar projetos de baixo impacto. A obra, em síntese, mostra que a transição energética e as boas práticas de preservação do meio ambiente não dependem da anuência dos países desenvolvidos.
Notas
1 Investimento global no clima atinge US$ 623 bilhões ao ano, apenas 14% do necessário para limitar aquecimento a 1,5ºC - eCycle
2 EUBRA lança no Brasil a mostra international Bright Green Cities para difundir as tecnologias veders - Jornal e Revista Ecoturismo
3 Protocolo de Kyoto
4 2009 United Nations Climate Change Conference - Wikipedia
5 Aquecimento da Terra pode superar limite de 1,5º até 2027, advertem cientistas - BBC News Brasil