O figurino é uma das primeiras impressões dentro do universo cinematográfico e pode ser responsável por criar uma imagem que perdura eternamente no imaginário do telespectador. Vendo sozinho o figurino do filme Bonequinha de Luxo (nome original Breakfast at Tiffany 's), não é necessário mencionar de qual obra estamos falando e, ainda mais longe, de quem o estrela.
Na construção de um figurino, cada nuance, detalhe, escolha e percepção é minuciosamente elaborada, a partir da análise do roteiro e dos próprios personagens, e carrega um significado e propósitos específicos dentro da narrativa. Nada em um bom figurino é banal. E, como na semiótica, o figurino explora a mente espectadora de maneira em que o óbvio não seja tão óbvio assim e, em muitos momentos, o inconsciente capta muito mais do que o que se vê da primeira vez.
Para comprovar essa perspectiva, vou relembrar alguns filmes marcantes na história do cinema e que muitos não sabem que tinham muito mais do que aquela primeira impressão visual. No filme A Duquesa (2008), dirigido por Saul Dibb e estrelado por Keira Knightley, a personagem Georgiana (personagem real que viveu na nobreza britânica no século XVII) desempenha um papel inovador diante da sociedade da época e, por isso, o figurino se transforma junto com ela. Georgiana estava à frente do seu tempo: perspicaz, politizada, ativa e ia contra as exigências machistas daquele contexto. Sempre utilizando da moda para se expressar e se comunicar, ela desenhava os seus próprios vestidos, utilizando o design como recurso inclusive em momentos de revolta. Para que a importância disso fosse evidenciada, a cada nova aparição da personagem o espectador tem uma surpresa e aguarda com ansiedade qual design virá em seguida.
Com Drácula de Bram Stoker (1992) não foi diferente. Dirigido por Francis Ford Coppola e estrelado por Gary Oldman e Winona Ryder, essa é uma obra que tem uma das construções de figurino mais bem elaborada e perspicaz da história. Aqui, o figurino desempenha um papel quase mágico e é quase sozinho um personagem da história, criando além do senso de época, a narrativa temporal que evidencia com clareza a transformação de cada um dos personagens. O figurino de Drácula representa sua imortalidade e a era em que viveu, elaborado em tecidos luxuosos e com um destaque para o veludo vermelho, representando paixão, perigo e magnetismo. Já Lucy Westenra se constrói ao longo da narrativa, transitando claramente entre o romantismo e a delicadeza até a ousadia desconfortável característica de alguém que era agora mais uma vítima de Drácula.
Por fim, em um viés um pouco mais literal, temos O Sexto Sentido (1999), dirigido por M. Night Shyamalan e estrelado por Bruce Willis e Haley Joel Osment. Na totalidade do filme, o figurino também tem um papel de temporalidade na jornada emocional dos personagens. Inicialmente, o psicólogo infantil Malcom Crowe usa roupas pesadas, escuras e dotadas de muitas camadas, refletindo sua tensão, desespero e momento sombrio em que ajudar seu paciente Cole é seu maior desafio e prioridade. Ao se abrir emocionalmente, o figurino de Malcom também se abre e suas roupas se tornam claras e leves. Mas, um dos papéis que o figurino tem nessa obra é pouco conhecido: todas as vezes em que um espírito aparece alguém usa vermelho em cena. O figurino tem voz e é vivo por si só.
Seja no cinema, no teatro, na dança ou até mesmo na passarela, o figurino constrói histórias, identidades e convida o espectador, inclusive, a fazer parte dele quando cria suas próprias interpretações. Nada é tão precioso quanto assistir a uma obra notando com atenção o seu figurino. Eu posso garantir que a mensagem e a atmosfera serão ainda mais enriquecedoras.