O artista suíço Not Vital traz para a Galeria Nara Roesler | São Paulo um recorte de sua vasta e consagrada produção. As esculturas e desenhos reunidos destacam a sua particular capacidade em descontextualizar, reconfigurar e re-localizar fragmentos e símbolos culturais. Os diversos mundos contidos na obra de Vital decorrem de sua vivência: nasceu em 1948 em Sent, na Suíça; aos 18 anos mudou-se para Paris; pouco depois, para Roma; e para Nova York, em 1976. Desde então, tem viajado incessantemente aos quatro cantos do mundo, tendo vivido e trabalhado periodicamente em Agadèz (Níger), Lucca (Itália), Pequim (China), Patagônia (Chile) e Rio de Janeiro (Brasil).
Segundo a autora do texto que acompanha a exposição, Giorgia von Albertini, as obras reunidas na mostra atestam os múltiplos mundos vividos pelo artista. Parte representativa das esculturas foi produzida em seu ateliê em Pequim, em parceria com habilidosos artesãos, que compreendem tanto a busca pela forma perfeita de Vital quanto a importância do toque humano em sua obra. Em contraste com a maioria das esculturas de aço inoxidável de grandes dimensões, essas obras não são moldadas, e sim feitas à mão, em um processo no qual centenas de pequenos painéis de aço bruto são martelados, soldados entre si e minuciosamente polidos. “Nascidas de uma sinfonia de golpes de martelo, as esculturas de Vital trazem em si o toque humano e, ainda assim, exalam uma espécie de quietude profunda, utópica”, escreve Albertini.
Lótus (Lotus, 2018) é uma das versões da primeira série de trabalhos do artista inspirada na flor de lótus, instalação composta por cem dessas flores, diferentes entre si, dispostas no chão – Let One Hundred Flowers Bloom (2008). “Apresentada com botões fechados, ceifados antes de florescer, Lotus, de Vital, diz respeito tanto à inércia forçada quanto à vitalidade potencial”. As totêmicas Bengalas (Walking Sticks, 2012) foram produzidas na China, mas a forma foi encontrada por Vital num período anterior a suas viagens – ainda criança, em Engadin, onde nasceu. “Ali, nas imponentes montanhas, as crianças crescem coletando e entalhando bengalas de madeira, e observando as gerações mais velhas galgarem as encostas com seu auxílio”, explica Albertini. A Língua (Tongue, 2010) é uma das formas que Vital vem materializando nos mais variados e surpreendentes materiais e tamanhos por décadas. Surgiu pela primeira vez em 1985, pouco após o artista ter visto uma língua de vaca num açougue em Lucca, Itália. “Ele vislumbrou um caminho de transformação que o permitiria transmutar o familiar em exótico, o orgânico em utópico: em vez de nos mostrar a usual ponta da língua, ele a mostra integralmente; ao invés de apresentá-la horizontalmente, tal como existe no mundo orgânico, opta por fazê-lo verticalmente. Assim, por meio de uma alquimia silenciosa, tudo pode mudar”, pondera Albertini.
A escultura Lua (Moon, 2017), uma esfera grande e perfeita realizada em mármore, demonstra a incessante busca do artista pelo satélite terrestre. Fascinado pela lua durante toda a vida, Vital chegou a construir uma casa no Deserto do Saara só para observá-la. “Ao percorrê-la com os olhos e acariciar suas crateras, suas sombras e sua superfície silenciosamente animada, somos levados a nos perguntar: será que Vital trouxe a Lua à Terra, ou será que nos transportou ao universo? ”, diz Albertini.
Já em Retratos (Portraits), Vital retrata pessoas próximas ou importantes para ele, outro conceito essencial em sua obra multifacetada. “Esses retratos são sempre compostos de duas caixas de prata que tomam forma e volume com base na data de nascimento do representado”, ressalta a autora do texto. Nesta exposição, há um retrato de Nara Roesler, colaboradora e amiga de Vital, e de personalidades brasileiras, como Oscar Niemeyer, Ayrton Senna, Pelé e Caetano Veloso. “Os retratos em prata, minimalistas, porém cheios de alma, foram feitos à mão por artesãos do Níger com quem Vital trabalha há mais de 15 anos; a colaboração prossegue mesmo em tempos de profunda crise política e humanitária”.
Por sua vez Saudade, série que dá nome à exposição, evoca o apreço do artista pelo Brasil, seu segundo lar, conforme declara. Para ele, o Rio de Janeiro provou-se o melhor lugar para desenhar. Vital concebe desenhos com o que tem à mão, usando não só lápis, mas também materiais não ortodoxos como fita, cotonetes, adesivos de silicone e sacos plásticos.
“Em sincronia com a vida nômade de Not Vital, sua arte migra como num sonho entre imaginários estrangeiros e alegorias nativas. Com uma alquimia ligeira, ele domestica o exótico e transforma o lugar-comum local em vocabulário visual surreal-minimalista. Consequentemente, identidade e transformação, relocação e descontextualização tornaram-se conceitos-chave na obra de Vital”, completa Albertini.