“O click não é uma coisa fortuita, mas a síntese de uma série de experiências”, Miguel Hijjar, fotógrafo.
“A gente fotografa com nossa história de vida”, Zeka Araújo, fotógrafo.
Amigos há anos dividindo a mesma paixão pela fotografia Miguel Hijjar e Zeka Araujo depois de 10 anos de muito bate-papo, finalmente compartilham na exposição FRESCOBOL o olhar que vai além de imagens, mas um conceito que tem o objetivo de provocar o espectador através de cores, sobrepostas idéias, composições únicas que elevam a fotografia ao patamar de arte, arte contemporânea de dois grandes fotógrafos brasileiros expondo em Londres.
Por que começar em Londres? Zeka foi correspondente e Miguel tem familiares e grandes amigos na capital inglesa; e dos temas de interesse entre Brasil e a Europa, um dos mais antigos e duradouros é o da fotografia.
Dom Pedro II, último soberano do Império brasileiro, patrono das artes e da ciência, tornou-se o primeiro brasileiro fotógrafo quando adquiriu uma câmera de daguerreótipo, inventada pelo francês Louis Daguerre, em 1839.
A Rainha Vitória “retratou” de forma documental praticamente todo seu reinado através de fotografias. Junto com seu marido o Príncipe Albert, também fotógrafo, colecionaram muitas imagens. Agora, na pós-modernidade, dois fotógrafos brasileiros mostram seus trabalhos fotográficos nas terras de Willian Henry Fox Tabolt, inventor e pesquisador.
Em 1834 no Brasil , Hercule Florence escreveu de forma pioneira, o termo photographie para a técnica que junto com o farmacêutico Joaquim Correa de Mello, em 1833, fixava em papel, por meio de sais de prata, a imagem captada por uma câmara escura.
E falar de Miguel e de Zeka é contar uma parte da história da fotografia brasileira. Os dois juntos registram mais de 50 anos de cliques que vão além do apertar o botão ou decorar os "menus" das cameras; eles dilatam a íris da alma de quem tem o privilégio de ver os seus trabalhos: olhares únicos.
Como o próprio Zeka contou durante um “passeio” pela exposição FRESCOBOL, na Galeria 32 (Embaixada do Brasil em Londres):“ É complexo transformar imagens em palavras, mas podemos transformar imagens em conceitos, eu o Miguel criamos um conceito pensando no Frescobol como um lugar que sai do concreto, do real, para o abstrato. Ele só tem graça se o mantivermos vivo, ao contrário do tênis, no Frescobol você quer que o outro fique ali com você o maior tempo possível”.
Millor exaltava o frescobol como o diálogo entre os autores e seus expectadores, “jogo” de movimentos entre o“real” e o abstrato dentro da história da fotografia e da arte.
Na Gallery 32 estão expostas cerca de dez fotografias de cada autor em grande formato, além de seis tiras com várias fotografias que circundam duas grandes colunas na galeria.
Outra forma de apresentação do trabalho serão cartazes/convites afixados nos espaços culturais de Londres, como a Tate Gallery, Photographer Gallery.
Durante a abertura da exposição os narradores da contemporaneidade falaram sobre o conceito desse trabalho.
Por que vocês escolheram este assunto e projeto?
Zeka Araújo – A proposta de Frescobol partiu de um conceito de curadoria, de minha autoria , no sentido menos literal e mais conceitual, uma vez que frescobol é uma atividade sem vencedores. Frescobol como conceito artístico me permite pensar do documental ao abstrato. No meu trabalho tem um pouco de documental, como por exemplo, uma série que fiz durante anos sobre o imaginário popular brasileiro dentro da tradição da fotografia antropológica. Mas como sou um vira-lata com origem fotográfica no fotojornalismo, ligado a imagem do real , percebi ao longo dos anos que o real também é um conceito e fui percebendo um deslocamento em mim para uma fotografia que expressa de forma abstrata sensações nem sempre presentes no visível e sim provocando sensações no expectador. Em síntese ao longo dos anos fui deslocando o belo para o intenso.
Miguel Hijjar – Como o Zeka Araújo disse a exposição tem o conceito de Frescobol e não é literalmente sobre frescobol. Esse nome expressa além de tudo que ele disse uma parceria que vimos tendo há anos nos campos da amizade, da arte e da fotografia propriamente dito. Fotografo desde adolescência e já fiz muitas expsosições individuais ou coletivas, mas nunca havia feito uma em conjunto com Zeka Araújo. Também tenho uma trajetória de fotografar o documental inspirado por fotógrafos clássicos, mas recentemente tenho fotografado de uma forma mais abstrata expressionista usando os recursos da era digital. Para mim é um privilégio estar com Zeka Araújo nessa exposição consolidando nossa parceria.
O que inspirou vocês e quanto tempo demorou?
Zeka Araújo – O que me motivou para a exposição é o fato de comemorar 50 anos de fotografia profissional e 70 anos de vida quase amadora. Agradeço ao Miguel Hijjar por levar adiante esse projeto.
Miguel Hijjar – Minha paixão por fotografia vem desde a adolescência, ou seja há 50 anos venho fotografando acumulando um enorme acervo de fotos em preto e branco e cor.Porém de forma diferente do Zeka Araújo sempre de forma amadora. Acabei dedicando a minha vida à Saúde Pública como médico. Me aposentei há 5 anos e desde então tenho me dedicato integralmente às artes e em especial à fotografia.
O quê a fotografia significa p/ vocês?
Zeka Araújo – Ser diferente. A originalidade é a magia da arte. Há quarenta anos quando vivi em Londres, cidade que amo, o que mais me chamou a atenção foi que todo artista tinha como objetivo ser diferente. A arte deixou de ser o lugar de acalmar os sentidos para provocar os sentidos. Na Grã-Bretanha perdi o medo de ser diferente.
Miguel Hijjar – Ter prazer e dar prazer aos outros. Me expressar livremente através de imagens sem rótulos ou preconceitos.
Qual é a tecnologia que vocês usam?
Zeka Araújo – Nasci num País que não produz quase nada de equipamentos de fotografia de alto rendimento. Portanto tudo é importado, inclusive os valores de beleza. Aprendi ao longo do tempo que o valor da fotografia não está no valor do equipamento fotográfico e sim na máquina “mentale”, ou seja o olhar e a experiência do fotógrafo. Portanto se você quer fotografar, ouça!
Miguel Hijjar – Tenho muito orgulho de ter até hoje minha primeira máquina fotográfica KAPSA. Evidentemente fui adquirindo outros equipamentos com mais recursos. Sempre gostei de fotografar com lente normal, mas atualmente uso tele objetivas com maior alcance. Também uso frequentemente uma máquina de bolso e smartphone. Considero que a minha melhor foto é a que tiro com minha vivência, experiência e cultura.
Qual é a sua experiência: fotografar no Brasil, exposição e Londres?
Zeka Araújo – Comecei como fotógrafo profissional no jornal local do Rio de Janeiro com setenta mil leitores. O Departamento Fotográfico, ficava depois da redação, depois dos banheiros, depois dos depósitos, embaixo de uma escada no fim do corredor. O fotógrafo, nessa época, era convocado para ilustrar o texto do repórter, portanto o importante era o que estava escrito. Hoje vejo com orgulho que a fotografia brasileira faz parte de uma inteligência global e extremamente importante para a arte contemporânea. Trabalhei na maior e melhor revista da América Latina – O Cruzeiro, com cerca de setecentos mil exemplares semanais. Depois o jornal diário O Globo, grande e influente jornal até hoje. Daí fui convidado para a única revista esportiva brasileira Placar cobrindo eventos em 17 países, incluindo um período de 3 anos em Londres. Chegando de Londres, fundei no Brasil o primeiro centro de fotografia de âmbito nacional na Funarte.
Fui curador de fotografia do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, fiz parte da prestigiosa agência de fotografia F4, editor de fotografia do Jornal do Brasil e Revista Manchete. Publiquei um livro bilingue,em parceria com o maestro Tom Jobim, com o título Meu Querido Jardim Botânico, numa época que pouco se falava em meio ambiente.
Fui professor de fotagrafia do Parque Laje, primeiro professor de fotografia da Escola de Cinema Darcy Ribeiro e nos últimos 16 anos tenho feito exposições no Brasil e exterior.Portanto minha experiência na área é como fotógrafo, editor de fotografia, curador, professor e produtor cultural.
Miguel Hijjar – Realizei 17 exposições, individuais e coletivas, nas cidades do Rio de Janeiro-RJ, Brasília-DF, Belo Horizonte- MG, Paracuru-CE e Petrópolis-RJ. Tenho três livros publicados: Caras, Paracurus +20 e Rita - A face humana da tuberculose. Tive publicadas fotos nas revistas Caros Amigos e Fotografe Melhor. Entre os prêmios que ganhei destacam-se o primeiro lugar no concurso da Revista Caras, 3o.lugar no Salão do CREMERJ, fotos selecionadas em preto e branco e cor para concurso da Revista Fotografe Melhor, além de fotos selecionadas nas Convocatórias do Festival de Paraty 2014 e Foto Rio 2015 e 2016. A primeira vez que fui à Londres coincidiu com as comemorações dos 50 anos do Victory in Europe Day, me impressionando tanto pelos eventos oficiais quanto pelas variadas atividades culturais.