Da primeira vez que estive nas ruínas de Milreu e vi a casa que lá está, com tantas camadas cheias de séculos entre elas, com as paredes caiadas de branco e com os buracos no chão que nos fazem retroceder às fundações da própria casa, que se ergueu sobre muitas histórias e sobre a História de Estoi e também do Algarve, pensei logo em convidar o Pedro Amaral para expor ali. Pelo contraste entre as suas obras pictóricas, marcadamente contemporâneas, coloridas e narrativas, e aquele espaço cujas histórias são ruínas e resquícios de paredes caiadas de branco.
Conheci Pedro Amaral pela pintura, uma pintura que emerge na contracorrente de uma contemporaneidade às vezes demasiado vaga ou abstrata, de uma contemporaneidade que muitas vezes se esconde ou não se quer afirmar politicamente, fugindo da figuração mais explícita e das narrativas que as imagens impõem. Falamos da sua obra e relacionamo-la facilmente, com a Pop Art e com o hiper-realismo serigráfico wahroliano. Pensamos nas suas pinturas e vemos o retrato, ou vários, de escolhas políticas e interventivas. Encontro, nessa parte da sua obra, a contemporaneidade na maneira de referenciar, ao mesmo tempo que recria um período, um passado recente, um movimento artístico que inaugura aquilo que hoje costumamos chamar de arte contemporânea. E, de repente, sou surpreendida pela série que ele decidiu trazer ao sul, a este sul de nenhum norte - desenhos em tinta-da-china, usando o papel como suporte e optando pela quase monocromia, mas mantendo as cores como referente de uma maneira de ver e de ver (se) no mundo.
Parte dos trabalhos é inédita mas outros foram já apresentados, e apreciados, noutras ocasiões. E deles falou-se do seu caráter gráfico, da precisão das imagens recortadas sob o papel muito branco. Os desenhos que ele nos traz parecem ilustrações de um livro de viagem, talvez da viagem ao sul, de um norte que não está muito longe, pois tudo é uma questão de ponto de vista e do lugar de onde se olha. E o lugar de onde Pedro Amaral vê é o lugar da arte e da criação de formas, que são matéricas, que são figurativas, que ilustram não uma, mas muitas histórias, ou que são apenas o princípio de uma viagem que pede a nossa contemplação.
O artista brasileiro Leonilson, que fez do desenho uma escrita íntima, disse que o “espaço em branco em volta do desenho é o outro lado. O lado onde a gente entra.” A escrita gráfica de Pedro Amaral não é explicitamente íntima; faz parte, naturalmente, daquela intimidade que o artista empresta à obra que cria, que sai de si mesmo e na qual ele permanece, um desenho que convida à entrada, que convida à contemplação ativa, criadora de percursos significantes e de sobressaltos. Quando vi as Ruínas de Milreu pensei na obra de Pedro Amaral. Nunca pensei é que a sua obra fosse criada para esse espaço específico e especial, que abriga séculos. Nunca pensei que ele atendesse, de forma tão precisa, a um convite, que não partiu de mim, mas do espaço que o reclamou desde o princípio.