A Galeria Estação começa o ano com a exposição da artista goiana Mirian Inês da Silva (1939-1996). Com curadoria do professor Miguel Chaia, a mostra ocupa o segundo e terceiro andares da galeria e conta com cerca de 70 obras entre pinturas e xilogravuras da artista que se fez conhecida por meio de suas gravuras de grande inventividade e expressão.
Mirian estudou na Escola Goiana de Artes Plásticas e se mudou para o Rio de Janeiro na década de 1960, saindo de uma cultura popular do interior brasileiro, permeada por festas religiosas e mitos orais, e indo para uma sociedade metropolitana onde vigoram as culturas de massa. Fruto dessa diversidade cultural, o trabalho da artista é centrado em assuntos comuns, ligados à visualidade do cotidiano contrastando os dois cenários. Mirian assume sua temática em uma entrevista ao jornal O Popular, de Goiânia, em 1983: “Para mim, pintar é vida. Pinto o que amo e sinto no coração. O povo para mim, o Brasil, são uma atração grande demais. Curto ouvir causos, música popular e o mais importante, estou muito com gente, mas não importa a escala social.”
Miguel Chaia ressalta que a obra da artista retrata os “aspectos da sociabilidade no meio rural e na cidade, a cultura popular, a cultura de massa e as representações religiosas e míticas. Volta-se ao que é vivo, festivo, pulsante e corriqueiro. Percebe-se na obra de Mirian a preocupação com uma certa brasilidade, buscada na natureza e na cultura. Em suas pinturas esses dois aspectos são representados pelas vegetações, pelo mar, pelos circos, festas e brincadeiras infantis.”
Da mesma forma que ela passa da cultura popular à cultura de massa, nota-se também a mudança do ambiente noturno criado em suas gravuras para o clima solar das pinturas. No início de sua carreira, fruto de forte influência expressionista, o uso da luz em seu trabalho gera uma sensação de conflito quando ela retrata cenas diurnas com uma expressão noturna, lembrando a obra de Oswaldo Goeldi. Já na pintura, Mirian recupera a luz solar e em fundo branco se faz frequente a presença de um sol alaranjado.
Finalmente, o curador destaca outra tensão permanente em seu trabalho: a convivência entre uma ordem abstrata e geométrica e uma ordem figurativa. “Todas as pinturas de Mirian possuem uma estrutura geométrica nas bordas do quadro (inferior, superior e laterais) e um amplo espaço branco disponível à narrativa no centro do quadro. Assim as pinturas são constituídas por duas ordens pictóricas, dois territórios visuais, que se encontram lado a lado, a abstração geométrica das bordas e o espaço branco para a elaboração figurativa. Nesse sentido, Mirian é mais do que uma artista figurativa, sendo conveniente enfatizar seu fazer geométrico sensível, próximo da arte concreta.”
Para Miguel Chaia, a obra da artista nos traz um paradoxo brechtiano: “ela não quer nos enganar com suas pinturas, elas são alegorias e não pretendem ser nem realistas nem naturalistas. A partir do conflito entre ordem abstrata geométrica e ordem figurativa, a obra de Mirian pode ser entendida como uma dimensão intermediária para se pensar a arte e a vida. Suas pinturas permitem problematizar a linguagem na arte e, simultaneamente, passar a visão de uma observadora da vida das pessoas e da sociedade brasileira”.
Mirian Inês da Silva de Cerqueira (Trindade – GO, 1939 – Rio de Janeiro – RJ, 1996) estudou na Escola de Belas Artes de Goiás e se mudou para o Rio de Janeiro na década de 1960. Lá, a artista frequentou os cursos ministrados por Ivan Serpa no Museu de Arte Moderna. Nas décadas de 1960 e 70 realizou exposições individuais em diversas galerias do Rio de Janeiro, e participou, entre outras, da Bienal Internacional de São Paulo (1963 e 1965); do Salão Nacional de Arte Moderna (Rio de Janeiro, 1966); da 1ª e da 2ª Exposição da Jovem Gravura Nacional no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP); da Bienal de Gravura de Santiago (Chile, 1969), e das mostras Peintres de L'Imaginaire (Paris, França, 1976) e Pintura Primitiva do Brasil (Museo de Arte Carrillo Gil, México, 1980).